15/11/06

Emendar (2)

Tenho um poema escrito em que me coloco... não é isto. Em que o sujeito enunciador se coloca na situação de emendar um poema antigo pela noite fora.
Este pode ser mais um dos meus textos umbiguistas e dedicados ao mais chato dos temas: o meu ego.
Antes de começar a escrever devotei a minha atenção, com tanto de desleixo como de persistência, à correcção de posts anteriores. Para minha satisfação, apenas minha. Ninguém relê entradas antigas. Sei mesmo que há quem visite o blogue diariamente e abuse do "toca e foge" de cada vez que depara com um texto com mais de cinco linhas. Como o que escrevo não tem a força suficiente para cativar à primeira leitura, sei bem que, ao debitar testamentos, contribuo de forma decisiva para a estratégia do blogger médio - conseguir ler o maior número de blogues no mínimo tempo possível, enquanto o chefe de secção passa e não passa. Enigmas da produtividade portuguesa.
Talvez seja injusto (não em relação ao hábitos de leitura de quem por aqui se perde). Há quem leia entradas antigas, parto de um princípio que se apoia numa razão simples: eu também o faço. Por vezes acontece-me encontrar raridades nos arquivos de outros blogues. E tanto podem ser textos que leio pela primeira vez ou releituras - os segundos ajudam-me a perceber porque gosto de determinado blogue, os primeiros convencem-me a linkar ou colocar nos favoritos o blogue visitado.
Emendar. Não sei explicar a origem da pertinência desta palavra, a razão de ser da sua justeza. Quantas vezes precisaremos nós de reescrever um texto? Quantas vezes poderemos emendar a matéria de que se alimenta o impulso criativo? Não preciso que me mostrem o caminho. Bastava que me indicassem o melhor corrector ortográfico do mercado.
A pouca verdade que consigo transmitir ao que escrevo perde-se nos ziguezagues das emendas. Não me impressiona a mediocridade da vida. Mas só posso recusar a vulgaridade na arte. Na literatura. Por isso tento emendar, sabendo que a distância entre o que pretendo e o que consigo é quase sempre inultrapassável.
Chega de ego, chega de auto-contemplação miserabilista. Guardo este tom para quando conseguir compreender na totalidade o génio de um dos meus paranóicos depressivos preferidos - Thom Yorke. Ou não. Vou emendar um poema antigo.

[Sérgio Lavos]

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