Correu pela blogosfera um dos muitos fogachos em que ela se especializou, a propósito do suposto plágio de Miguel Sousa Tavares no seu romance Equador. Todos conhecem a história. Achei, na altura, que não devia escrever nada sobre assunto, em parte porque nada teria a acrescentar ao escrito, em parte porque uma obra tão sobrevalorizada, que se tornou um best-seller em função de méritos que não os literários, não valia o esforço. E, principalmente pelo absurdo da trama: ninguém devia levar a sério um anónimo que encontra semelhanças no relato de factos históricos referidos em dois livros diferentes - no caso, fala-se de um livro-reportagem escrito por Dominique Lapierre e Larry Collins. A manipulação é evidente, mas mais acabrunhador ainda é a mera sugestão de que uma alusão a acontecimentos históricos que todos conhecem pode ser fundamento para uma acusação de plágio. O tempo mediu bem a amplitude do ridículo do(s) denunciador(es) anónimo(s). E no mesmo passo expôs ad nauseam a frivolidade mal-criada do escritor. Duas semanas depois, os tablóides já se tinham esquecido de tudo. Previsível.
Mas esta história, que nem sequer se pode acusar de sordidez, de tão mesquinha que é, vê-se repetida com um dos meus escritores preferidos, Ian McEwan. O que me interessa nisto tudo? A minha reacção aos dois casos. Com Miguel Sousa Tavares não consegui deixar de sentir, à primeira leitura, que os acusadores anónimos poderiam ter alguma razão. Mesquinhez pura, admito. E nisso, muitas figuras públicas, MST incluido, acertam em cheio. As polémicas artificiais que se geram em torno de quem aparece têm quase sempre uma única origem: o despeito dos menos conhecidos. (O caso mais flagrante é Eduardo Prado Coelho. Não que ele precise da minha defesa - o homem ignora os blogues, como, ufano, não se cansa de repetir -, mas a verdade é que a exposição diária a que ele se submete é um risco. Porque diz mais vezes, erra mais vezes. Porque erra mais vezes, é citado mais vezes por quem escreve, principalmente na blogosfera). Há outros casos, e Miguel Sousa Tavares nem é dos que têm mais razões de queixa - suspeito que o principal motivo para baixezas, no seu caso, tem que ver com atalhos futebolísticos. E se falamos deste tipo de conversa de café, da bola, assunto encerrado.
Seja como for, a minha primeira reacção ao caso do plágio MST foi precipitada, precisamente nos antípodas de Ian McEwan. Porque gostei do livro em causa (Expiação), porque achei que as hipotéticas provas do plágio eram forçadas e, principalmente, porque McEwan cita a autora da obra referida em entrevistas e não se esqueceu de incluir o livro em causa, uma autobiografia de Lucilla Andrews, ex-enfermeira, na bibliografia consultada. Ora, um romancista não é obrigado a isto. McEwan é conhecido por esse hábito (estranho, por exemplo, à maior parte dos escritores portugueses) - o de pesquisar minuciosamente para os livros de ficção que escreve. O esforço é visível; por exemplo, em Sábado, a sua última obra, é tão evidente que torna a leitura mais fastidiosa, ao ponto das descrições das cirurgias se tornarem perfeitamente excedentárias em termos de economia narrativa. Em Expiação, pelo contrário, os relatos pormenorizados das actividades que decorrem no hospital onde Briony Tallis trabalha como enfermeira, durante a Segunda Guerra Mundial, são absolutamente pertinentes, localizando de modo decisivo naquele tempo histórico a acção do romance. Para alguém sem conhecimentos técnicos, é obrigatória a consulta de livros sobre o tema. E McEwan nunca escondeu a importância que a obra de Lucilla Andrews teve no seu trabalho.
O que fez Ian McEwan, perante as acusações de um tablóide, Mail on Sunday? Escreveu um artigo no Guardian. Explicou tudo muito bem explicadinho, sem ameaças de processos, sem má-criação e rudeza lusitana. Não será necessário acreditar nas suas explicações, porque à partida não havia sequer que duvidar. Mas o público que desconhece do que se fala gosta muito de discutir o que desconhece. E a boa educação nunca foi um óbice para ninguém. Torna mais credível quem a ela recorre.
Mas esta história, que nem sequer se pode acusar de sordidez, de tão mesquinha que é, vê-se repetida com um dos meus escritores preferidos, Ian McEwan. O que me interessa nisto tudo? A minha reacção aos dois casos. Com Miguel Sousa Tavares não consegui deixar de sentir, à primeira leitura, que os acusadores anónimos poderiam ter alguma razão. Mesquinhez pura, admito. E nisso, muitas figuras públicas, MST incluido, acertam em cheio. As polémicas artificiais que se geram em torno de quem aparece têm quase sempre uma única origem: o despeito dos menos conhecidos. (O caso mais flagrante é Eduardo Prado Coelho. Não que ele precise da minha defesa - o homem ignora os blogues, como, ufano, não se cansa de repetir -, mas a verdade é que a exposição diária a que ele se submete é um risco. Porque diz mais vezes, erra mais vezes. Porque erra mais vezes, é citado mais vezes por quem escreve, principalmente na blogosfera). Há outros casos, e Miguel Sousa Tavares nem é dos que têm mais razões de queixa - suspeito que o principal motivo para baixezas, no seu caso, tem que ver com atalhos futebolísticos. E se falamos deste tipo de conversa de café, da bola, assunto encerrado.
Seja como for, a minha primeira reacção ao caso do plágio MST foi precipitada, precisamente nos antípodas de Ian McEwan. Porque gostei do livro em causa (Expiação), porque achei que as hipotéticas provas do plágio eram forçadas e, principalmente, porque McEwan cita a autora da obra referida em entrevistas e não se esqueceu de incluir o livro em causa, uma autobiografia de Lucilla Andrews, ex-enfermeira, na bibliografia consultada. Ora, um romancista não é obrigado a isto. McEwan é conhecido por esse hábito (estranho, por exemplo, à maior parte dos escritores portugueses) - o de pesquisar minuciosamente para os livros de ficção que escreve. O esforço é visível; por exemplo, em Sábado, a sua última obra, é tão evidente que torna a leitura mais fastidiosa, ao ponto das descrições das cirurgias se tornarem perfeitamente excedentárias em termos de economia narrativa. Em Expiação, pelo contrário, os relatos pormenorizados das actividades que decorrem no hospital onde Briony Tallis trabalha como enfermeira, durante a Segunda Guerra Mundial, são absolutamente pertinentes, localizando de modo decisivo naquele tempo histórico a acção do romance. Para alguém sem conhecimentos técnicos, é obrigatória a consulta de livros sobre o tema. E McEwan nunca escondeu a importância que a obra de Lucilla Andrews teve no seu trabalho.
O que fez Ian McEwan, perante as acusações de um tablóide, Mail on Sunday? Escreveu um artigo no Guardian. Explicou tudo muito bem explicadinho, sem ameaças de processos, sem má-criação e rudeza lusitana. Não será necessário acreditar nas suas explicações, porque à partida não havia sequer que duvidar. Mas o público que desconhece do que se fala gosta muito de discutir o que desconhece. E a boa educação nunca foi um óbice para ninguém. Torna mais credível quem a ela recorre.
[Sérgio Lavos]