Queixa-se João Paulo Sousa, citando António Guerreiro no Expresso, de que a edição de obras de cariz menos comercial, seja ficção ou pensamento na área das ciências sociais, está ser completamente submersa pelo dilúvio de má qualidade que inunda neste momento as livrarias. Aproximamo-nos do colapso, é certo, e até posso dar o exemplo de uma obra recensionada por Eduardo Pitta para o Mil Folhas, o romance de Luísa Costa Gomes, "A Pirata". No meio do entulho que as editoras conseguem colocar nas livrarias, aí está um exemplo do que acontece a um livro bem escrito, sem pretensiosismo de qualquer espécie (a não ser o da exigência da autora), que por acaso até pega num tema que está novamente na moda - graças ao filme "Piratas das Caraíbas" - e que também por acaso se destina a uma fatia do público - juvenil - que acaba por consumir livros numa média bem mais invejável do que a maioria dos adultos o faz - ao contrário do que julgam algumas cabeças bem-pensantes deste país -, mas que, quase que aposto, vai passar despercebido durante os próximos três meses até desaparecer nas prateleiras da editora, devolvido pela livraria. Razões? Tudo começa, lamento, na editora. Estará Luísa Costa Gomes disposta a percorrer o calvário da promoção do livro? Se está, porque não aparece, não promove? Porque a editora não quer. Está interessada antes em valores seguros - no caso, o próximo Lobo Antunes e quem sabe se uma Inês Pedrosa vindoura - ou então promove um qualquer sucedâneo de "O Código da Vinci", ou o livrinho escrito em forma de redacção da primária sobre as aventuras sexuais de uma dona-de-casa, etc, etc. O que é negociado com os livreiros, em termos de promoção no espaço da livraria, não são os autores exigentes consigo próprios - de qualidade, se quisermos ceder a esse termo por vezes equívoco -, muito menos as obras nas áreas das ciências sociais ou da divulgação científica. Por exemplo, um representante da Presença queixava-se de que o recente Prémio Nobel, Orhan Pamuk, não vendia (até agora, claro). Mas terá a editora feito algum esforço para promover as obras de Pamuk junto dos livreiros, quando foram inicialmente publicadas? Eu sei que não. Quem manda nas editoras, cada vez mais burocratas encartados com cursos de gestão ou marketing que consideram o livro um produto qualquer, pensa apenas no lucro máximo. Esta estratégia, é óbvio, apoia-se nas fraquezas do consumidor. A ignorância, a iliteracia, a falta do tal "sentido crítico" de que fala António Guerreiro. O curioso é que há livros que escapam ao torniquete cego dos novel editores e fazem o seu caminho de forma surpreendente. Nas áreas citadas, lembro-me por exemplo do livro de José Gil, "Portugal Hoje, o Medo de Existir" ou as obras de Nuno Crato sobre educação ou alguns títulos sobre ciência de Jorge Buescu, editados pela Gradiva. Ou ainda o assinalável êxito que representa cada novo livro de António Damásio. Mas atenção! Neste último caso, a promoção é feita como deve de ser. As entrevistas da praxe, as negociações com os livreiros por parte da editora (a excepção na Europa-América, diga-se, quase sempre apostada em baixar o nível em todos os livros que edita), as aparições regulares nos ecrãs de televisão.
As editoras, interessam-se por estes fenómenos? Poucas, porque a ignorância começa em quem manda. O clássico editor, leitor incansável, amigo pessoal dos seus autores, culto e interessado na divulgação do conhecimento, é cada vez mais um mito. Entramos na era da globalização, parece. Mas não parece, se pensarmos nos exemplos lá de fora. O caso da Penguin, dissecado esta semana na páginas do Mil Folhas, é disso exemplo. Um dos maiores grupos editoriais do mundo, que conseguiu crescer e manter a estabilidade financeira sem nunca descurar o objecto primordial, de onde o lucro nasce: o livro. Lições que os nossos plantadores de bananeiras, aqueles que dirigem as maiores editoras, deviam seguir com atenção. A matéria é vegetal, é a mesma, mas a alma é diferente. Quem perde com a cegueira economicista é o leitor.
[Sérgio Lavos]
As editoras, interessam-se por estes fenómenos? Poucas, porque a ignorância começa em quem manda. O clássico editor, leitor incansável, amigo pessoal dos seus autores, culto e interessado na divulgação do conhecimento, é cada vez mais um mito. Entramos na era da globalização, parece. Mas não parece, se pensarmos nos exemplos lá de fora. O caso da Penguin, dissecado esta semana na páginas do Mil Folhas, é disso exemplo. Um dos maiores grupos editoriais do mundo, que conseguiu crescer e manter a estabilidade financeira sem nunca descurar o objecto primordial, de onde o lucro nasce: o livro. Lições que os nossos plantadores de bananeiras, aqueles que dirigem as maiores editoras, deviam seguir com atenção. A matéria é vegetal, é a mesma, mas a alma é diferente. Quem perde com a cegueira economicista é o leitor.
[Sérgio Lavos]
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