Há uma mediação afectiva entre quem ouve e o som que é produzido. Menos intermediários, talvez seja a questão. Depois do descalabro da música electrónica - no sentido em que, hoje, a vaga mais estimulante da música produzida com recurso a sons sintéticos utiliza obrigatoriamente instrumentos tradicionais - bateria, baixo, guitarra - e penso em LCD Soundsystem, ou Herbert e os músicos com quem colabora, também as experiências de Thom Yorke, nos Radiohead e a solo. Projectos como os Chemical Brothers e os seus concertos com a maquinaria em palco - more human than human - ou os Massive Attack, ambos sobras da década passada, deixaram de fazer sentido. Um regresso à carnalidade dos ritmos imediatos produzidos por instrumentos em contacto directo com o corpo do músico - mãos nas cordas, guitarra encostada às ancas, baquetes transmitindo aos pratos o frémito nervoso do ritmo corporal. Os concertos de bandas de sons predominantemente elctrónicos sempre foram para mim uma desilusão, mesmo quando admiro os álbuns de estúdio. Lembro-me dos Massive Attack, Portishead, mesmo os longiquamente elogiados Young Gods, com o seu desfile industrial de sons samplados. Vou a concertos para sentir a tensão entre músico, instrumento e público, aceitar os erros, comungar com o músico o deslumbramento que deve ser tocar para uma multidão de desconhecidos que cantam, ridiculamente, todas as letras de todas as músicas de um álbum. Se quero racionalizar a música, ouço em casa sozinho ou, melhor, no silêncio de uns phones nos ouvidos. Distingo cada som, reparo nas subtilezas, nas variações de ritmo, nos encadeamentos de timbre e de tons. Ao vivo, esqueço tudo o que aprendi em casa. A música passa a ser um conjunto caótico de movimentos ensaiados em uníssono com as coreografias dos músicos em palco. Agora, racionalizo. No meio da plateia, se existe garra da banda, não me falem em pormenores e defeitos. Depois. Fica para depois. Electrónica ao vivo? Máquinas reproduzindo sons pré-gravados, mãos humanas manipulando teclas e botões, nada de demasiado humano a que me possa prender.
[Sérgio Lavos]
[Sérgio Lavos]
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