05/10/06

A árvore

Na nossa barbárie actual encontra-se em actividade uma teologia extinta, um corpo de referência transcendente cuja morte lenta, incompleta, deu lugar a formas e sucedâneos paroxísticos. O epílogo da crença, a transformação da fé religiosa em convenção oca, parece ser um processo mais perigoso que os philosophes tinham previsto. As formas de degradação são tóxicas. Em busca do Inferno, aprendemos a construí-lo e a fazê-lo existir na Terra. (...) Não há outra capacidade humana portadora de maior ameaça. E porque a possuímos e a usamos sobre nós próprios, vivemos hoje uma pós-cultura. Tendo colocado o Inferno à face da terra, abandonámos a ordem suprema e as simetrias fundamentais da civilização ocidental.

George Steiner, No Castelo do Barba Azul, ed. Relógio d'Água

O texto, resultado de uma série de conferências que Steiner proferiu em 1971 na Universidade de Kent a convite da T. S. Eliot Memorial Lecture Foundation, é uma resposta ao livro de Eliot, escrito em 1948, Notas para a Definição de Cultura. Ou antes, é um questionamento directo a Eliot, uma interpelação póstuma à lacuna principal do texto do poeta católico. Porquê o esquecimento do Holocausto? Mais de 30 anos depois, quase tudo se mantém: as perplexidades de Steiner, as propostas que são apresentadas para a tentativa de compreensão do mal humano. As raízes, de acordo com Steiner, fundam-se longe, na revoltosa transição do século das Luzes para a Revolução Industrial. Seria interessante conhecermos hoje a opinião de Steiner sobre a árvore que entretanto foi crescendo - e que parece não ter fim à vista. A experiência de purga a que ele alude, será, mais do que nunca, essencial?

[Sérgio Lavos]

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