O sonho de Gustav era compor uma galeria macabra de ditadores. Facínoras, sanguinários, lunáticos. Homens cujo rosto oscila entre a demência e o ridículo, caretas facetas que nem a pior das selvagerias salva da farsa que a expressão invariavelmente trai. Como o poderia fazer, pensava Gustav? Havia alguns mantidos numa morte suspensa, mumificados para desfrute das gerações vindouras. A maior parte, porém, resistia apenas em fotografias. Mas talvez houvesse uma maneira. De qualquer modo, não era obrigatório que o corpo estivesse no seu lugar do museu. Uma imagem bastava, uma fotografia. Bigodes retorcidos, buços femininos, braços estendidos, ceptros esculpidos a partir de ossos, tronos erguidos sobre a cinza dos cadáveres, óculos, cabeleiras, dentes postiços, barbas de molho, a família em volta, rodeando o avozinho de mãos manchadas de sombra, sinistra sombra, caricaturas de um arquétipo criado por um qualquer deus irónico e cruel. Uma imagem, apenas, no lugar do corpo, e etiquetas com os nomes por baixo, duas datas, a vida e a morte, e um intervalo de tempo preenchendo meticulosamente relatórios e ficheiros com números organizados em colunas, ao longe apenas uma mancha indistinta assemelhando-se a fumo, mais longe nada a não ser memória, mais longe nada a não ser nada. As imagens multiplicando-se para deleite dos visitantes do museu, Gustav imaginava e nesse enlevo se perdia, generoso curador de uma estranha galeria de monstros.
[Sérgio Lavos]
[Sérgio Lavos]
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