03/02/07

Vigília


Não será muito natural contrariar a tendência para o silêncio que o melhor cinema pode perseguir. Nem sequer o carácter mágico, o sentido misteriosos dos melhores filmes que vemos. Durante o tempo que dura um filme, a realidade entra em modo de suspensão, e aceitamos tudo, ou quase tudo, o que aparece no ecrã.
O que surpreende, nesta banalidade, é a resistência que encontramos a obras que melhor representam a realidade tal com ela é. Quando o cinema se afasta do cânone de hollywood e se aproxima da reclusão do real, assume o risco de falhar no seu objectivo mais imediato: o escapismo. Mas quando um filme falha nesse objectivo, é quase sempre por boas razões. A intemporalidade de um filme dispensa o uso de muletas que prendam o espectador ao que vê. Como na literatura, quanto mais o filme exige do espectador, mais recompensador se pode tornar. As discussões em torno da eficácia comercial de um filme são, por isso, sempre redundantes. O problema não está no realizador que propositadamente fabrica um objecto para um público o mais abrangente possível; está no público que não exige mais da arte que lhe é oferecida. Qualquer autor que não prescinda da sua visão de cinema sabe que o que menos interessa são os números das bilheteiras.
Existe o silêncio, e existe o sonho. O primeiro encontra resistência, o segundo incompreensão. Quem não consegue entrar numa sala de cinema sem esperar menos que uma realidade virada do avesso, sem exigir nada menos que um sonho com a duração do tempo de um filme, nunca terá nada menos que banalidade do real à saída da sala. E não merece mais do que isso.


[Sérgio Lavos]

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