10/02/07

Comércio tradicional

Terão já chegado às dezenas os blogues transformados em livro, quase todos com pouco ou nenhum sucesso no mercado. O Meu Pipi é a mais óbvia excepção; porque era novidade. E porque estava (está?) mesmo bem escrito. E porque foi publicado numa altura em que a maior parte das pessoas não sabia sequer o que era um blogue. Alguns anos depois, as editoras continuam a apostar no sexo. Nos últimos meses, vários livros, assinados por "dominadoras", "felinas" ou simplesmente mulheres casadas em busca da glória vã de ver o nome (ou o pseudónimo) numa capa, têm aparecido e desaparecido a um ritmo constante das livrarias - dois meses é a fronteira. Livro que resista a este tempo tem um sucesso mediano garantido. As editoras esforçam-se, multiplicam-se em acções de marketing, promovem juntos dos jornais o próximo fenómeno editorial. É a sua obrigação. Mas tudo cansa. O sexo cansa, a leviandade também, e a verdade é que a libertinagem não está ao alcance de todos; vivemos num tempo em que o puritanismo é sublimado através do seu oposto: o exibicionismo pornográfico. A distinção entre privado e público não se esbateu, e os vícios continuam a ser ciosamente guardados. A libertação sexual também se pode simular. Escreve-se um blogue, edita-se em forma de livro, usa-se um pseudónimo. Se correr mesmo bem, algumas aparições em jornais com muito teasing e frases caídas na altura certa aguçam o apetite do leitor e espicaçam o puritano, seja o verdadeiro conservador ou o que se afirma liberto sexualmente, donas-de-casa de classe média tentando agradar ao marido - e assim perpetuar a dominação masculina - ou quarentões a passar pela andropausa em busca de uma excitação que vá além da mera pornografia. Mas nem todos são pipis. E o livro vendeu, apesar da mão na boca escancarada de vergonha de muitas mulheres, porque os homens o compraram. E porque, repito, estava bem escrito. Caro editor da Palavra (finalmente cheguei ao ponto do texto), um livro escrito por uma prostituta dificilmente chegará a algum lado; os homens não a respeitam - mesmo que espreitem o livro - e as mulheres invejam-na ou desprezam-na. A caridade antropológica também não é razão suficiente para tornar o livro um sucesso. Dito isto, a coisa até tem algum sentido de humor - mas nenhuma novidade. E que longe estamos da imagem do libertino. Do asco que Sade consegue provocar, da violência ritualizada de Sacher-Masoch, do despudor criminoso de Pierre Löuys. E, falando de mulheres, da provocação de Pauline Régae (pseudónimo de Anne Desclos) e da sua Histoire d'O, manifesto masoquista relutante que continua a provocar revirar de olhos a feministas militantes. Falamos de comércio. A liberdade sexual não passa por aqui.

(O livro em questão é A Tua Amiga, a autora é Maria Porto - pseudónimo, claro.)

[Sérgio Lavos]

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