Falemos de ficção, portanto. Imagino um homem com certezas absolutas. Certo dia, contaram-me, entreabiram-lhe a porta errada. Deparou com um mundo onde nada era estável, tudo a cada momento mudava. Não interessa aqui falar da reacção de surpresa, não é importante saber de que modo o mundo mudava. Imaginemos apenas que, de cada vez que o olhar regressava ao que antes fora visto, a realidade se transformara em outra realidade diferente. Não conhecemos - nem queremos conhecer - a natureza da mudança. O que fez o homem para se adaptar ao novo mundo? Intuiu que não seria suficiente reorganizar-se de acordo com as diferenças que se sucediam. Talvez a instabilidade não fosse assim tão insuportável; mas achava que, em vez de ser ele a acomodar-se ao mundo, deveria ser o mundo a moldar-se a ele. Permaneceu parado durante um tempo que pareceu interminável. As mudanças continuaram. O instante eterno que se passou nesta imobilidade absoluta não poderia ter demorado mais que alguns breves segundos. A natureza do tempo também se alterara. Mas como antes nunca chegara a entender qual seria verdadeira natureza do tempo, não reparou na diferença. Quase sem dar por isso, acordou do seu sono indeterminado e moveu-se. As mudanças não cessavam de mudar. Havia sempre o problema dos dois espaços em movimento: o do mundo instável e aquele que o seu corpo ocupava no mundo. Decidiu então acelerar de um modo louco a velocidade dos seus movimentos. Se não conseguira bater a mudança através da pausa, teria êxito recorrendo ao avanço. O ritmo frenético dos dois movimentos cresceu de forma tão imprevisível que, a dada altura, homem e novo mundo eram uma mancha difusa, una e indivisa, se vista de longe; se olhada de perto, no entanto, continuavam a ser duas entidades distintas. Até que o homem parou, antes de ter pensado em parar. Retrocedeu. Encontrou a porta de entrada no novo mundo. E saiu.
[Sérgio Lavos]
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