A verdade é que parecemos americanos, no nosso entusiasmo; a pergunta deixou de se colocar há muito. Ainda mais seremos com estas eleições, depois de oito anos medievais, balançados entre mentiras que justificaram guerras e a completa idiotia de estado de que Bush foi a imagem, o corpo e a correia de transmissão de uns quantos tenebrosos oportunistas disfarçados de idealistas, que sairão de cena sem sofrerem na pele o castigo por todas as más decisões tomadas. O problema nem é o mundo estar pior agora do que na era pré-Bush; a História é cíclica. O problema é que a cultura política degradou-se tanto que já se aceita pacificamente que alguém como Sarah Palin possa ter hipóteses de ser líder dos E.U.A. - e McCain, apesar das cedências, seria sempre melhor do que Bush. Mas não, se tudo correr bem não será ele, e pensar que possa acontecer o mesmo que há oito anos com Al Gore parece uma soberana oportunidade perdida. Obama não é o segundo Messias, é certo; se atentarmos às subtilezas da sua mensagem política, veremos que não se distancia muito do centrismo de Bill Clinton, e chegam a ser preocupantes as suas ideias em relação à política externa norte-americana. Mas Obama não é apenas um político que se pode tornar presidente; é uma ideia - de mudança, de esperança, como se fosse o regresso depois de uma longa era de trevas - é assim que a maioria dos seus apoiantes o vê. E é sobretudo uma ideia para o mundo: quarenta anos depois do fim das restrições de direitos a uma minoria da sua população, o país pode eleger para presidente alguém que pertence a essa minoria - a importância simbólica desta possibilidade é incomensurável.
Habituados que estamos a conviver diariamente com a cultura deste país, ao ponto de conhecermos melhor a História dos E.U.A. do que a nossa própria História (abençoados sejam o cinema e a literatura por isto), apenas podemos estar profundamente motivados para o que vai acontecer amanhã, a dois mil quilómetros de distância. E tudo se desmoronará, se Obama perder? É difícil matar uma ideia - disso podemos estar certos.
[Sérgio Lavos]
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