Em Bruges, dueto sangrento para dois turistas à força, vive da tensão entre os diálogos, improvável mistura entre Tarantino e Pinter, e o desempenho do trio de actores principais, directamente transportados de um filme como Get Carter, com Michael Caine; Colin Farrel (talvez menos cabotino do que o costume), Brendan Gleeson e Ralph Fiennes, bandidos irlandeses com poucos escrúpulos e muita consciência, têm o estilo de Samuel L. Jackson e John Travolta e o pathos de Stephen Rea em Jogo de Lágrimas. E podia continuar com o jogo de referências; o filme, sendo bom, esvazia-se a nível formal, não se autonomizando dos seus antecedentes, sendo apenas salvo de ser um filme na senda da filmografia balofa de Guy Ritchie em virtude do excelente guião de Martin McDonagh, dramaturgo de formação.
Apesar das fragilidades, há algumas ideias de cinema bem desenvolvidas, e o olhar do realizador consegue quase sempre encontrar o melhor enquadramento para a tragédia. Assassinos em perda, gangsters melancólicos e crianças perdidas encontram-se nas ruas da cidade belga e encaram-se enquanto estranhos longe do ambiente duro que lhes está colado à pele. Há uma certa linhagem de gangsters ingleses que é cumprida; enquanto que os mafiosos americanos são quase sempre controlados - pelo menos até que irrompam numa explosão súbita de violência, e o exemplo maior é Al Pacino - os ingleses falam com sotaque cockney, escocês ou irlandês e têm o rastilho curto, vivem com os nervos à flor da pele - mas são compassivos e tem um rígido código ético com raízes na moral católica.
Mas vale a pena a visita a Bruges? Depois deste filme, com certeza, se não for um criminoso a sofrer o martírio da culpa - como uma figura de um quadro de Bosch. Mas era disso que falávamos, do postal turístico?
[Sérgio Lavos]
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