14/11/08

Colóquio/Letras


Tenho alguns livros na estante que comprei apenas em função da sua utilidade estética; e escrever utilidade estética não é apenas um paradoxo, é a realidade das coisas. A beleza não é apenas fundamental, como cantava o outro, é necessária para que um objecto tenha uma existência imprescindível. E quem diz objecto, pensa em gente, claro.
Esses livros, essenciais em qualquer biblioteca, podem ou não ter mundo dentro deles - se forem vazios, salva-se sempre a pureza das linhas e das cores. A perfeição da composição gráfica; aqueles livros em que dá vontade de pegar apenas para olhar para o desenho das letras na página (acontece-me neste momento com os livros da Sextante, por exemplo, saídos do atelier de Henrique Cayate e enriquecidos com as letras de Mário Feliciano, o inventor da elegância tipográfica). A história é bamba, fraquinha, o estilo é raso e enjeitado; não interessa, a mancha de tinta preta no papel branco é enlevo suficiente. A beleza é essencial.
E a capa, o embrulho do todo, o que captura o leitor na livraria. No oceano de ruído, cromocaótico, dos escaparates das novidades, espreita o próximo livro, e é sempre a sua cara que primeiro nos convence. O rosto de um livro é a sua capa, e é por ela que ele é sempre julgado, como diz a frase inglesa (ou o verso dos Prefab Sprout).
Um destes exemplos, uma revista Colóquio/Letras (Janeiro/Junho de 1998) que comprei não porque, naquele caso, me interessasse especialmente o conteúdo, mas porque não resisti ao apelo do conjunto, à beleza simples do objecto. Tenho outros números, mais ou menos conseguidos graficamente, mas sempre exigentes ao nível do texto, e não tenho dúvidas de que é esta a única revista portuguesa de literatura que consegue combinar o rigor académico com o apelo a um público não-especialista (julgo que a razão disto também passa pelo cuidado na edição). Parece que querem afastar Joana Morais Varela, a principal responsável pela excelência do projecto, da direcção da revista, por razões mais ou menos ínvias (se não mesmo ímpias). Esperemos que não. Fazer bem é coisa tão rara em Portugal que seria (também neste caso) lamentável se isso acontecesse.  

[Sérgio Lavos]

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