01/11/08

Uma Cotovia

Como livreiro, sou obrigado a vender um pouco de tudo, e sei como é praticamente inviável manter uma livraria aberta promovendo apenas aquilo que o nosso gosto aprova. As apostas pessoais que se podem fazer em livrarias especializadas, apesar de serem um mito do mundo livreiro, são, basicamente, um risco, e não há negociante que não tenha de ceder ao mainstream, de maneira a poder vender aquilo que poderá verdadeiramente interessar - vende-se a lúmpen-literatura para se poder apostar na diferença.
E apostar na diferença pode ter resultados bastante satisfatórios. Numa livraria pequena, onde cada cliente que entra é umItálico rosto conhecido, dá para ir sabendo o que as pessoas querem, para além dos best-sellers e do último livro do clube da Oprah. O meu trabalho é também direccionar o cliente para aquilo que eu gosto, e lamento se isto possa parecer presunçoso ou elitista. É claro que não vale a pena tentar vender diamantes a vaqueiros, e garanto que há casos perdidos, dê por onde der - a ideia de que qualquer um poderá, começando por Rebelo Pinto, chegar a ler Pynchon, é uma brincadeira de democratas com a consciência pesada. Mas o meio termo é uma mina: basta colocar os livros nos sítios certos, falar de um romance evidenciando aquilo que as pessoas querem ouvir, e a educação está feita. Uma forma de vender a banha da cobra, com a vantagem de não ser banha, nem cobra. É isto que faz a felicidade de um livreiro.
Vem esta conversa no seguimento da leitura de um pequeno volume que os Livros Cotovia publicaram agora, a propósito dos seus vinte anos, no qual recolhem depoimentos de autores e outros aficionados da casa. No blogue Os Livros Ardem Mal, Luís Quintais já fez o favor de republicar o seu texto, por isso não irei acrescentar muito mais ao que ele afirma. Apenas dizer que a Cotovia, desde que na Feira do Livro apanhei alguns números da revista As Escadas Não têm Degraus e um livro essencial cujo título é de uma beleza resplandecente, Sete Rosas Mais Tarde, de Célan, tornou-se também uma referência, e imaginando a estante (não vou olhar), vejo o Pedro Paixão e o Luís Quintais, Larkin (maior identificação com o nome da editora é difícil) e Daniel Jonas, Martin Amis, E. M. Forster, a Ilíada, até ao mais recente, Um Punhado de Pó, de Evelyn Waugh, que ainda não foi lá parar, e por isso não me sinto nada comprometido por dizer que grande parte do meu percurso de livreiro passei-o a aconselhar (também) livros publicados pela Cotovia. Há outras casas editoriais, de que vou falando no blogue, ou dos autores que elas publicam. Mas o aniversário é da Cotovia. Parabéns. 

[Sérgio Lavos]

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