27/10/08

O ponto de vista


O filme começa assim: um assassino deambulando pelas ruas procura uma vítima - Godard falava num arma e uma mulher para fazer um filme; uma câmara encontra a sua presa, e não é a prostituta que grita no derradeiro momento - é o espectador, que sem dar por isso é colocado no lugar do assassino.
Peeping Tom, na aparência, é um simples catálogo de horrores, ensaio psicanalítico sobre a loucura. Mas, ao contrário de Psycho, de Hitchcock, não há explicação que distancie o louco do espectador. A amoralidade do filme não está nos actos do assassino, mas na simpatia que sentimos por ele - e nisto, o filme de Powell diferencia-se de Laranja Mecânica, com o qual por vezes é comparado. As origens da esquizofrenia - as experiências do pai, cientista - fundamentam a vontade de matar, e desculpam-no aos nossos olhos. O ponto de vista subjectivo é quase sempre o nosso; e a única personagem moral é uma mulher cega, que não morre porque não pode olhar de frente a morte. Nós, que somos voyeuristas, estamos irremediavelmente condenados.
Abençoados sejamos.

[Sérgio Lavos]

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