05/10/08

Björk/All is Full of Love



É impossível analisar a música de Björk (quando escrevo analisar, penso, evidente, em ouvir e sentir) sem ter em mente uma série de imagens que traduzem de forma fiel o espírito da música. A frieza maquinal como via de uma intensidade material, o erotismo panteísta, a confluência entre urbe e campo, entre o sentir da vida moderna e a nostalgia da natureza perdida. Tem sido assim, desde "Human Behaviour" (realizado por Michel Gondry) até à estranha e problemática colaboração da artista com o puritano Lars von Trier, em Dancer in the Dark (retomando o título de uma música de David Bowie). 

As imagens, criadas por outros - sobretudo o mencionado Gondry e Spike Jonze - contribuiram, em grande medida, para a criação de um universo "bjorkiano". Atingir este patamar - a criação de um termo que defina um estado de espírito - é um feito de que muito poucos cineastas, vivos ou mortos, se poderão orgulhar; e Björk, sendo "apenas" criadora de música, consegui-o. Encontrar realizadores que conseguem traduzir em imagens um universo pessoalíssimo é, por isso, a maior qualidade de Björk. Pode haver quem se irrite profundamente com os tiques de diva, as tolices de criança por crescer, os ambientes infantilóides e fofinhos dos videos (os gatinhos de "Triumph of a Heart, dirigido por Jonze, devem ser um cúmulo qualquer neste campo), mas a verdade é que é inegável a coerência e, sobretudo, a presença de um elemento teórico em toda a criação imagética que envolve a produção musical da cantora islandesa.

Mas o melhor video de Björk acaba por ser aquele que recentemente foi eleito pelos espectadores da MTV 2 como o melhor de sempre, e pouco se poderá dizer para contrariar esta escolha. O terceiro mago dos clips musicais, Chris Cunnigham, assina esta maravilha do cinema contemporâneo, cunhando uma marca comparável, em certa medida e sem exagerar, a Matrix, dos irmãos Wachowski. "All is Full of Love" é a história de amor dos nossos tempos: fria e reflexiva, comovente e, acima de tudo, impossível: duas formas femininas, máquinas na linha de montagem, que simulam os gestos humanos do amor - apenas assim ele pode ser definido, pela imitação do movimento. O campo teórico preenche-se de possibilidades, mas nem por isso a música deixa de ser essencial na definição da teoria. A electrónica de Björk, contaminada por simulacros de instrumentos tradicionais, reclama uma emotividade alienígena que chega a ser calorosa - a contradição que espelha os caminhos que iremos escolher no futuro.

[Sérgio Lavos]

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