A mansa admiração que o blogue de Saramago provocou na blogosfera parece que se diluiu rapidamente; não há troca de links, remissões para textos, polémica bravia - não é o blogue notícia, apenas a decisão do escritor. O que faz um homem que nada tem a provar - o mínimo cliché que se poderá ensaiar sobre Saramago é este - aderir a uma nova linguagem, tão distante daquilo que lhe conhecemos? E o que, na verdade, dele conhecemos? Os romances não é uma resposta possível. Os diários, os cadernos de Lanzarote, andarão mais perto de uma possibilidade.
Lembro-me de que na altura em que eles foram publicados, correu alguma tinta e turvou-se alguma água a propósito de nada; que os diários não passavam de um assomo de vaidade pública, e por isso, para a mentalidade portuguesa, dispensável; que a corriqueira vida do escritor - as viagens, os prémios, as consagrações - pouco interesse tinham; e, sobretudo, que por baixo da pátina dos dias do escritor, pouco confessionalismo havia: os diários eram uma fraude literária, no sentido em que eram apenas uma conta-corrente dos compromissos, e careciam de autenticidade. Por outras palavras, eram parcos em sangue e lágrimas, vinganças e traições.
Mas claro, apenas os diários póstumos são verdadeiramente interessantes, nem que seja pela natureza dos mesmos: o autor morto é um saco de pancada, e todas as especulações e mirabolâncias serão possíveis; o autor, lamentamos, encontra-se ausente para todo o sempre.
Enquanto Pedro Mexia vai publicando o seu prévio diário póstumo (a ironia das suas intenções é desarmante), Saramago arrisca um registo diferente, inclusive dos seus diários antes publicados em livro. Textos longos, provavelmente recuperados da gaveta, meditações, memórias. Limpando estes textos do estilo habitual da ficção: textos limpos e corridos, saborosamente evocando (mais do que nunca) Padre António Vieira.
Escolhas; ou de como a literatura não existe apenas nos livros.
[Sérgio Lavos]
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