29/10/08

Antes que o Diabo saiba


Quem por gosto corre, não cansa, e deve ser a primeira vez que uso um provérbio no blogue, teria de ser este, porque resume essencialmente a actividade bloguística.
Não vou repisar o assunto - não agora. Lembrei-me da frase a propósito da vontade de escrever sobre determinado tema aqui, na oportuna altura. O cinema é tratado neste blogue desse modo - apenas escrevo sobre o que me apetece, nunca sobre tudo o que vejo, ainda menos sobre o que não gosto. E muitas vezes, não escrevo sobre o que gosto. Vem isto a propósito de uma conversa com o Pedro Sales, pensando num dos melhores filmes deste ano, Antes que o Diabo saiba que morreste, a que votei o meu desprezo ou desatenção. Não foi desatenção, mas a verdade é que o filme saciou-me, e bastou isso. Acontece-me muito; filmes que servem numa bandeja tudo bem composto, evitando que no fim sinta a vontade de petiscar noutro prato. Explicando: apetece-me quase sempre falar de filmes que pensem o cinema, filmes que ofereçam ao espectador a oportunidade de regressar às imagens. Por vezes, saímos da sala de cabeça vazia, e parece que nenhuma corda foi tangida, mas quando estamos à noite em casa, olhando o vazio ou a televisão ligada (o que é quase o mesmo), as imagens, insidiosas, obrigam-nos a tentar entender, gostar de outra maneira, empurrando a mão para o papel ou para o processador de texto mais próximo. 
O filme de Sidney Lumet, exercício estilístico, falsamente experimental, que se apoia no espantoso trabalho dos actores (à boa maneira dos anos 70), termina e a emoção acumulada esvazia-se, deixando pouco espaço ao pós-operatório, digamos; a estrutura é adequada, mas evidente, as histórias evoluem em ritmo de tragédia familiar bem doseada, pathos incluído (a cena de Seymour Hoffman destruindo a intimidade perdida do casal é o coração da obra), e a amoralidade moral que Lumet nos oferece preenche a necessidade básica de qualquer espectador: sair da sala de cinema sentindo-se um ser humano melhor ou mais inteligente. Mas, a meu ver, esgota-se aí.
E pensar depois na razão do esquecimento levou-me a compreender de modo mais completo o filme: a escrita serve, sobretudo, para isto: entender o mundo.

[Sérgio Lavos]

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