Milhares de cartas inundaram a caixa de correio, a perguntar a mesma coisa: por onde andas? Respondi a todas, sentado numa esplanada para fumadores enquanto a chuva ia e vinha. Café? Confirmo. Cigarro entre os dedos? Claro. Alcoólicos perdidos no dia, copo atrás de copo? Sempre. A esferográfica na mão (não tinha tinta para a caneta) e sentia-me um passo à frente da modernidade. Eu espreitava por cima do ombro - que mulher feia ela se tornou, e eu conheci-a tão nova. A minha caligrafia é um acidente geográfico, Himalaias em potência - nem eu percebo, por vezes, o que escrevo. Tusso um pouco, mas como não fumo muito não chega para afirmar: sofro de catarro. Uma mulher passa, desvia o olhar, mas as calças de ganga apertadas segredam-me ao ouvido: "escreve, responde às cartas". Um yuppie com pretensões intelectuais - estão a ver o estilo, camisa e blaser, suíças crescidas - sai para a rua, dedo no ouvido, telemóvel na outra mão, a gritar para quem o ouve: "É o que eu te digo, a terceira guerra mundial vai começar". Achei normal, hoje em dia qualquer um pode ser profeta, ou melhor; comentador político. E era mesmo: "esta cena da Jugoslávia, foi ali que começou a primeira e a segunda, vai começar ali a terceira. A Espanha não aceita, a França também não, a Itália não estou a ver, os Estados Unidos só fazem merda". Lá ao fundo, uma voz meio desesperada ouve-se: "Amor, o café está a arrefecer". Espreito para dentro, olhar cruzado, regresso ao papel timbrado de hotel, escrevo cartas. Nos próximos dias, receberão uma resposta no correio. Entretanto, aproveito o sol e dou uma última passa, esmago a beata. Espreguiço-me. "Amanhã falamos, temos de ir à neve ainda este ano".
A terceira guerra mundial ali à esquina.
[Sérgio Lavos]
A terceira guerra mundial ali à esquina.
[Sérgio Lavos]
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