Roubo ao passar por ele, grave decisão,
a dignidade da solidão,
e recolho-o em minha casa,
decidido a derrotar a miséria humana
e todos os seus reclusos, a quem os pontapés
que a vida dá deixaram de doer, e as feridas
comidas pelos animais traidores
que em tempos lhe fizeram companhia
parecem cintilar, cicatrizando,
promessa de absolvição.
Grande história, a que lhe contaram os pais -
no seu berço ouvia mentiras e acreditava nelas,
preparava-se para aquilo a que se chama maturidade,
o desprezo da vida adulta, intermitente
e carcomida pelo medo e pela hesitação,
a sombra de uma derrota como um cão
mordendo as pernas.
As mentiras, rosto do conforto familiar -
narrativas, livros, fieis depositários de um grandioso engano -
os sorrisos disfarce, demónios entrando pela pele,
percorrendo o sangue e saindo em golfadas pela boca.
Antes vinho, carrascão,
bebido na companhia amena dos outros desterrados,
almas penadas encostadas às esquinas das ruas
cravando ao próximo alguns minutos mais de esquecimento,
tocando o frio da calçada, na radiosa celebração da bebedeira.
Deixai-me efabular sobre o desconhecido
a quem nunca guardei, e acreditar que na recusa,
e na vergonhosa metáfora de um poema,
vencerei a morte e a sua finta, jogador medíocre
a quem a sorte soube dar o merecido destino.
Não tenho direito a gravar nesse nome a minha cruz -
a luz de um novo encontro é breve, e a manhã tarda.
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