20/12/11

recado

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte


vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer -- vai por esse campo
de crateras extintas -- vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite


deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo -- deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração -- ouve-me


que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna -- o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite


não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira -- não esqueças o ouro
o marfim -- os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

Al Berto, em Horto de Incêndio, ed. Assírio & Alvim. Encontrado aqui.

Sem comentários: