24/12/11

Livros do ano (2)

"Uma linha extremamente ténue separa esta «humanização» de uma aquiescência resignada com a mentira como princípio social: neste universo «humanizado» é a experiência íntima autêntica, não a verdade. No final de The Dark Knight, de Christopher Nolan, filme que também «humaniza» o seu super-herói, apresentando-o cheio de dúvidas e fraquezas, assistimos à morte do novo procurador judicial Harvey Dent, um feroz perseguidor das máfias que sucumbiu à corrupção e se tornou culpado de vários homicídios. Batman e Gordon, o seu amigo polícia, pressentem o golpe que a moral da cidade sofreria se os crimes de Dent viessem a ser conhecidos. Por isso, Batman convence Gordon a preservar a imagem de Dent declarando que o responsável pelos seus crimes é Batman. A necessidade de perpetuar uma mentira a fim de proteger a moral da população é a mensagem final do filme: só uma mentira pode salvar-nos. Não admira, pois, que, paradoxalmente, a única figura verdadeira do filme seja o Joker, o vilão por excelência. O objectivo dos seus ataques terroristas a Gotham City torna-se claro: os ataques só serão interrompidos quando Batman arrancar a sua máscara e revelar a sua verdadeira identidade. A fim de impedir este desfecho e de proteger Batman, Dent declara aos jornais que Batman é ele - uma nova mentira. Do mesmo modo, outra mentira tem ainda lugar, quando, para ludibriar o Joker, Gordon encena a sua morte (fingida)."

Viver no Fim dos Tempos, Slavoj Zizek, tradução de Miguel Serras Pereira, ed. Relógio d'Água.

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