Quanto vale um filme imperfeito de um realizador responsável por um percurso quase sem mácula? Vale o que vale My Blueberry Nights.
Estamos no cinema de Wong Kar-wai, mas o território é outro. A câmara desloca-se para a paisagem americana, e como já foi assinalado por vários críticos, deslumbra-se. Para além disso, o realizador aproveita para visitar as referências pictóricas habituais (para quem filma a América): Edward Hopper, Cindy Sherman, William Eggleston. Depois da ruptura com o director de fotografia Christopher Doyle, Kar-wai convidou Darius Khondji, que já trabalhou em filmes como Delicatessen, Se7en ou Zidane-Um Retrato do Século XXI. Teria sido arriscado afastar-se de Doyle, grande responsável pela criação de um mood cénico no qual as personagens habitam. A Hong-Kong de Wong Kar-wai é tanto dele como de Doyle; o grão manchado pelos néons, as transições entre sombra e luz, a criação de vazios urbanos dos quais a luz natural está praticamente ausente (é sempre noite nos filmes de Wong Kar-wai, chove e chove), tudo contribui para definir o contorno das personagens, passageiros naufragados da cidade.
O caminho de Khondji é outro; a principal marca autoral é o estilismo camaleónico, que se adapta ao estilo dos realizadores com quem trabalhou, o que deve ter facilitado o processo. O resultado final é uma colagem a todos os clichés da paisagem americana: os diners, as montras, as janelas do voyeur, a estrada, as cidadezinhas do interior, Las Vegas. Um empregado de balcão que vê passar milhares de vidas pelo restaurante, captando o momento em que o contacto acontece. Pormenores aludindo a um retrato íntimo; as chaves na taça, a conta por pagar, o jogo de poker por terminar.
Os clichés estão lá, mas não importa; a elegância de um reconhecimento inevitável salva o filme. No fim de contas, Wong Kar-wai sempre filmou a América; mais, sempre filmou o cinema americano, recriou imagens anteriores ao seu cinema. A distância de Hong-Kong à América é puramente mental. O cinema cria mundos que exigem ser olhados, criados.
O caminho de Khondji é outro; a principal marca autoral é o estilismo camaleónico, que se adapta ao estilo dos realizadores com quem trabalhou, o que deve ter facilitado o processo. O resultado final é uma colagem a todos os clichés da paisagem americana: os diners, as montras, as janelas do voyeur, a estrada, as cidadezinhas do interior, Las Vegas. Um empregado de balcão que vê passar milhares de vidas pelo restaurante, captando o momento em que o contacto acontece. Pormenores aludindo a um retrato íntimo; as chaves na taça, a conta por pagar, o jogo de poker por terminar.
Os clichés estão lá, mas não importa; a elegância de um reconhecimento inevitável salva o filme. No fim de contas, Wong Kar-wai sempre filmou a América; mais, sempre filmou o cinema americano, recriou imagens anteriores ao seu cinema. A distância de Hong-Kong à América é puramente mental. O cinema cria mundos que exigem ser olhados, criados.
[Sérgio Lavos]
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