22/05/08

Berlim (excertos) #3

Foto: Susana Viegas

Na minha bagagem, tenho por hábito levar um livro de algum modo relacionado com a cidade que visito. Conhecer os lugares através da literatura sempre foi mais fiável do que usar um guia turístico. Vila-Matas e Montálban acompanharam-me nas viagens que fiz a Barcelona, Virginia Woolf foi comigo para Londres (e Nick Hornby, em espírito). Mas Berlim era um problema. A língua um escolho, o desinteresse pela literatura alemã (excepto a poesia) uma montanha. Parti sem lastro, sem livros. Mas, compensando, levei muitas imagens. E de quem? Haverá Berlim que não seja a de Wim Wenders, a cidade de Asas do Desejo, de Tão Longe, Tão Perto? Um anjo da Vitória a um metro de distância, a meio da cidade, no centro do Tiergarten, o anjo da panorâmica sobre a cidade, o anjo que Damiel não quer ser, sombra vigilante pairando sobre os edifícios de uma cidade a preto e branco, ainda antes da queda do Muro. A memória atraiçoa a memória, no entanto. Já lá vão anos desde a última vez que vi qualquer um dos dois filmes, e pouco me lembro da história; mas recordo o fascínio, o primeiro fascínio do primeiro filme que vi de Wenders. Não há filme imperfeito que não possa captar a perfeição de um lugar. A paisagem precisa do olhar deslumbrado do estilista; a viagem confirmou a impressão deixada pela câmara de Wim Wenders.
Não precisei de literatura, levei as imagens na bagagem. Berlim pelos olhos de um anjo.

[Sérgio Lavos]

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