09/09/07

Juventude em marcha

Muitos anos depois, em frente a um pelotão de fuzilamento, recordaria o dia em que viu pela primeira vez "Arizona Dream".
Ou "Underground".
Ambos de Emir Kusturica, o realizador que de facto podia ter mudado a minha vida se ela já não tivesse sido mudada por contigências, digamos, realisticamente inadiáveis alguns anos antes.
Não me interesso pela biografia - o puzzle compõe-se também de filmes, e este lembra-me o tempo em que achava (sem riso contido) que o cinema europeu era superior ao americano.
Talvez já não existam filmes assim no cinema europeu - apesar de Michael Haneke, um ou outro de François Ozon e pouco mais. Para além dos velhinhos - Chabrol, Rohmer (gostava mais de Almodovar quando não se levava a sério).
Ou talvez eu já não exista como há quinze anos, disposto a aceitar o espanto. Intelectualizo o que vejo - sem dúvida. Há poucos filmes que me remexam as entranhas sem passar primeiro pelo crivo da razão. Terei perdido ou ganho?
A ligação afectiva ao meu Olimpo de realizadores contemporâneos - David Lynch, Quentin Tarantino, Gus van Sant, Michael Haneke, David Cronenberg - foi-se construindo nos últimos anos à conta de circunstâncias pessoais decisivas. Não me interessa saber se a influência é mútua - apenas gosto de reconhecer que, se os filmes não mudaram minha vida, pelo menos a minha vida mudou a minha visão dos filmes. E gosto de saber que há um rio que corre desde o passado que transporta águas em que ambos mergulhámos, ainda que não nos reconhecêssemos no meio da multidão.
Hal Hartley, sim, o realizador para os que se julgam perdidos de si próprios, caminho perfeito para a sedução. E Emir Kusturica, perdido em devaneios americanos, com Vicent Gallo em pose pós-cinema anterior ao delírio narcisista da obra que se seguiu. O tempo antes de acordar, a alguns fotogramas de distância.

[Sérgio Lavos]

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