22/09/07

Awkward

Há uma palavra inglesa que define bem a sensação que é, por vezes, escrever num blogue: awkward. Embaraço, vergonha, estranheza. Quem mantém diários (e não sei se alguém ainda o fará) sabe que pode resguardar, durante algum tempo, as suas confissões, a intimidade. Quem escreve em blogues, mais ou menos intimistas, e se expõe ao julgamento dos outros, arrisca-se a sofrer na pele essa awkwardness. Tudo bem se são estranhos que lêem. Se o fazem, é porque gostam; se algum dia os conhecermos, muito bem, nada temos a recear (apesar de muitos bloggers lerem outros blogues por desfastio ou por interesse, mas não é isso que está em causa). Mas quando a palavra se espalha e o blogue começa a ser lido por pessoas com quem se tem um contacto directo anterior ao blogue, travão a fundo. Arriscamos a que leiam e não gostem, mas não confessem (conselho sábio: nunca perguntem a amigos se leram isto ou aquilo - ou não o fizeram ou não gostavam de o ter feito); ou que leiam e até gostem, mas se surpreendam com a honestidade simulada dos textos mais pessoais. Ou até, imagine-se, acreditem nesses textos, mesmo quando assumidamente eles não são mais do que construções literárias a partir de um fundo real. Do que falo? Da minha maneira de escrever um texto, por muito intimista que seja - começo a partir de uma ideia, escrevo uma, duas frases, apanho o tom, avanço desenfreadamente, tentando acompanhar o ritmo de cada frase, entusiasmo-me, escrevo, apago, e a partir de certa altura perco a mão - o texto arranca e já pouco tem de verdadeiro. Quando chego ao fim e publico (e isto tem muito de rapidinha, o oposto do tantrismo associado a um livro publicado), esqueço, viro-me para o lado e adormeço (peço desculpa, mas não resisti a continuar a piada sexual). E, no outro dia, quando encontramos as pessoas que leram o blogue, lembramo-nos. Eu sou aquele que usa uma máscara social no dia-a-dia real ou aquele que usa uma máscara literária no dia-a-dia do blogue? Esqueci-me de quem sou, é verdade - e entretanto o texto já se descontrolou, afasta-se a passos rápidos da ideia inicial. Awkward, é isso. Espero que ninguém se reconheça no que escrevo.

[Sérgio Lavos]

7 comentários:

tlpg disse...

Excelente.

Um abraço,
Tiago.

André Moura e Cunha disse...

Continuas grande, meu caro amigo invisível - ou melhor visivelmente literário... ou literariamente visível.
É um prazer poder, pela primeira vez, dar-te um grande abraço e louvar-te um texto verdadeiro e sentido - um bem claro palimpsesto das tuas emoções - em directo, via caixa de comentários.
Um abraço.

Luís Daehnhardt disse...

Este é, sem dúvida, um dos melhores textos da blogosfera, dos últimos tempos!
Provavelmente, quando estivermos em presença, não o iremos comentar; falaremos de outras coisas, por vezes menos interessantes.
Também já reparei nessa distância que existe entre o blogger e a pessoa, mas não tenho a genialidade que te assiste, para escrever sobre isso!

Sérgio Lavos disse...

Meus amigos, lamento, mas não fui quem escreveu isto. Ainda assim, agradeço o exagero em nome de quem escreveu.

invisible me disse...

Reconheço-me plenamente naquilo que escreves...

saturnine disse...

yup, too late: reconhecimento total. particular desconcerto porque nos últimos tempos tenho escrito muito (com outras palavras) sobre essa ackwardness. muito bom texto. :)

saturnine disse...

obviamente queria ter escrito 'awkwardness'.:|