No fim, só há duas respostas possíveis: ou Christopher Hitchens está certo ou está errado. Não estará por cá para saborear a vitória ou amargar a derrota - outra certeza. Todos os argumentos que possa usar contra a existência de Deus são improváveis. Por serem impossíveis de provar empiricamente, e também por usarem um tipo de argumentação que se baseia menos na razão do que no estilo. É claro que aquele sotaque upper-class embebido em álcool faz muito pela força dos argumentos; e, no processo, pelas vendas do seu livro ("God is Not Great"). Se quisermos pôr as coisas de uma maneira clara: num tempo em que a religião vai desaparecendo num estertor violento (fundamentalismo e terrorismos mais do que incluídos) um ateu marxista que defende a invasão do Iraque e do Afeganistão por razões anti-islâmicas apenas podia ser uma estrela emergente. Critica todas as religiões, eu sei. Mas fundamenta os seus argumentos nos malefícios da religião, direccionando os seus ataques a instituições seculares, constituídas por homens, misturando fé e organizações religiosas num cocktail, mais do que explosivo, absolutamente sexy. Atrai mulheres porque critica a misoginia das religiões; interessa a ateus porque tenta, atabalhoadamente, provar a não-existência de Deus (parece-me que a mais difícil das tarefas, mas quem sou eu?); e seduz o grande grupo neo-conservador e seus simpatizantes com a sua demanda anti-islâmica. Não é nada surpreendente, portanto, que um ateu que se afirma de esquerda consiga adquirir uma legião de admiradores na direita blogosférica, assim como no meio intelectual neo-conservador norte-americano (esses agarram-se a qualquer um que se aproxime do seu idealismo distorcido e anti-islâmico).
Esta bela campanha mediática tem conseguido vender uns quantos milhares de livros, é verdade. Mas se muitos daqueles que admiram a sua cruzada anti-religiosa lessem os seus textos pró-Bush, talvez a sua estrela empalidecesse um pouco.
E claro, temos sempre de ter em linha de conta o factor Abel/Caim. A luta fratricida de Christopher com o seu irmão crente e conservador, que ainda por cima se opôs à invasão do Iraque, Peter, é matéria que inflama qualquer alma. Quem não se pela por uma boa questiúncula familiar? Se é bom para o espectador de novelas, por que não será para o intelectual com dúvidas metafísicas? E dão-se bem, os irmãos? Vão fazendo o que podem pela vida.
P.S: A discussão sobre as origens da moral é básica. Um parágrafo de Peter Singer sobre o assunto vale mais do que os 7.43 minutos da conversa entre Christopher e Peter. Mas se falamos do nível conversa de café, não está nada mal.
[Sérgio Lavos]
1 comentário:
Muito bem apanhada essa ideia do cocktail, Sérgio. Que é como quem diz: uma série de elementos, alguns amplamente contraditórios, carregados de charme ou emoção, e divulgados por meios que parecem, também aqui, se pautar por não evidenciar (se chegam a inteligir) as mais insuportáveis contradições. O cristopher é um "intelectual superstar", e ele, julgo, saberá o quão insustentável é a convivência destes termos.
Podia ser do Peter Singer, mas também poderia não o ser.
um abraço.
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