Quem entra no auto-retrato em busca de hipocrisia que toma conta do mundo arrisca-se a sair pela porta dos fundos. Não há qualquer vontade de afastar o visitante brasileiro que aqui caiu. Espere, não vá embora. Fique um pouco. Falo de hipocrisia num ou noutro texto, é verdade. Entretanto curei a maldição - ficar de olhos raiados atrai sempre a espécie errada de deus. Não me interessam os hipócritas; na realidade, até que vagamente me atraem. Qualquer mentiroso compulsivo - e um hipócrita não passa disso mesmo - merece mais do que a minha atenção; a minha devoção. É difícil passear no labirinto da mentira; o minotauro espreita a cada esquina, a maldita verdade que estraga qualquer boa história. Neste ponto, afirmo: interessam-me os hipócritas até ao ponto em que não são apanhados a mentir. Quando são descobertos, deixa de ter interesse (e neste aspecto o erotismo assemelha-se à mentira). Um hipócrita é alguém que vive em constante humilhação, sorrindo para a pessoa que odeia, murmurando entredentes ressentimento e amargura, passeando em público a impotência de não chegar a ser um mitómano. O delírio em que este último vive é um problema de negação para o hipócrita - este julga ser racional, e portanto um ser em pleno auge social. Por vezes chegam longe - ou, como último recurso, tornam-se políticos. Mas carregam atrás de si pesadas grilhetas: sentir que nenhuma humilhação se compara à incapacidade de confessarem a verdade a si próprios. Imaginem: um hipócrita não aguentando o teatro em frente ao espelho; a encenação. No momento em que tudo é permitido, a mentira.
O escritor, esse, contraria a cada palavra a sua vocação de mitómano: quando quer mentir, diz a verdade mais límpida. O que vai tomar conta do mundo? Não espere nenhuma verdade neste texto, leitor. Muito menos hipocrisia.
O escritor, esse, contraria a cada palavra a sua vocação de mitómano: quando quer mentir, diz a verdade mais límpida. O que vai tomar conta do mundo? Não espere nenhuma verdade neste texto, leitor. Muito menos hipocrisia.
[Sérgio Lavos]
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