Escasseia o tempo para derivações literárias. Limito-me a pegar em novelas de autores com poucas ambições e raro entendimento da eficácia da escrita. No outro dia, acabei de ler um ensaio escrito em 1943 por um autor sérvio menos conhecido do que deveria ser. A tradução inglesa, editada pela Bloomsbury Press, levou o título de "A Silence Less Spoken Than Often", o que me parece de uma irrepreensibilidade exemplar. Apetece-me colocar aqui o nome do tradutor: Susan Margolies-Simic; ao ler um livro traduzido para uma língua que não a mãe, arrisca-se sempre bastante. Pensar na longa cadeia que o texto percorreu até chegar às nossas mãos pode ser perturbante. As hipóteses de recebermos o pensamento original do autor são curtas. "Não se traduzem quadros, nem música." A desvantagem da literatura em relação às outras artes é limitadora. Mas há ganhos; cada traidor que tenha a sorte de tocar nas palavras do autor pode adicionar um pouco de si próprio. Susan Margolies-Simic a custo consegue disfarçar as suas pretensões literárias. A geometria rítmica da tradução da inglesa denuncia mais que amor ao autor sérvio. Imagino nas palavras uma reminiscência longínqua, um som circular a sumir-se na sintaxe inglesa. A distância entre a Sérvia e a Inglaterra é maior do que a geografia mostra. Há duas línguas, dois alfabetos, uma tradição literária a separá-las. A única réstia de salvação para esta traição mais que perfeita é o hífen ligando os dois apelidos da inglesa. Não pode haver qualquer dúvida: o que une as duas línguas é o amor. A traição assim, apenas pode ser perdoada.
[Sérgio Lavos]
Sem comentários:
Enviar um comentário