Um certo ar de saudosismo não será suficiente razão para voltar a abusar da ênfase revolucionária que foi cultivada nos anos que se seguiram ao fim do salazarismo. Os tempos de derrotismo e cansaço apenas aceitam um ou outro fogacho maldizente, investigações jornalísticas a políticos ou repetitivos azedumes de comentadores, preocupação displicente com o que se passa lá fora, comentários sobre a política americana entre um penálti de tinto e o golo invalidado da última jornada. Passamos pelos anos da decadência revolucionária e sonhamos com uma evolução que nos permita aceitar aquilo que temos, ganhar força para desejarmos aquilo que não temos e sabedoria para distinguir entre as duas. Embarcamos no bote da felicidade amena que a Europa arrasta a caminho do seu distante vizinho americano. Nem nos damos conta dos buracos que o barco tem, a água entra mas sempre nos vai carregando.
Há, no entanto, coisas que não se perdem. A nostalgia de um daqueles dias que transformam o mundo, aquilo de que Rui Tavares fala hoje no Público, um dia que sucede espaçadamente no tempo, o dia em que sentimos que a mudança está a acontecer. Toda a minha geração, que não passou por lá, deveria (o condicional não é uma obrigação, mas podia ser) poder sentir a alegria daqueles que exultaram na rua com o desmoronar do regime podre de décadas. Quando vejo as imagens em repeat no ecrã de televisão, desconto primeiro o cinismo de quem sabe que a repetição leva à emoção, depois penso na sensação de alívio generalizado daquela vaga de gente invadindo as ruas. Não é ficção, mas é tudo uma questão de crença. Mais que uma traição, esquecer o período sombrio em que o país esteve mergulhado durante 47 anos acaba por ser um boicote ao próprio futuro. Há defeitos, pois há, mas estamos cá para reclamar. Protestar. Não me parece sensato não lutar para que tudo isto não acabe. Manter o caminho livre para aqueles que se seguirem. Foi apenas isso que os nossos pais fizeram. Apenas.
Há, no entanto, coisas que não se perdem. A nostalgia de um daqueles dias que transformam o mundo, aquilo de que Rui Tavares fala hoje no Público, um dia que sucede espaçadamente no tempo, o dia em que sentimos que a mudança está a acontecer. Toda a minha geração, que não passou por lá, deveria (o condicional não é uma obrigação, mas podia ser) poder sentir a alegria daqueles que exultaram na rua com o desmoronar do regime podre de décadas. Quando vejo as imagens em repeat no ecrã de televisão, desconto primeiro o cinismo de quem sabe que a repetição leva à emoção, depois penso na sensação de alívio generalizado daquela vaga de gente invadindo as ruas. Não é ficção, mas é tudo uma questão de crença. Mais que uma traição, esquecer o período sombrio em que o país esteve mergulhado durante 47 anos acaba por ser um boicote ao próprio futuro. Há defeitos, pois há, mas estamos cá para reclamar. Protestar. Não me parece sensato não lutar para que tudo isto não acabe. Manter o caminho livre para aqueles que se seguirem. Foi apenas isso que os nossos pais fizeram. Apenas.
[Sérgio Lavos]
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