Ao ler a passagem da entrevista que David Lynch deu ao Expresso que a Susana publicou mais abaixo, dá para perceber a razão de "O Último Capítulo" ser um filme completamente falhado, um desastre. Darren Aronofsky, que, julgo, decidiu compôr uma elegia em louvor de Rachel Weisz, a sua mulher, o que, diga-se, parte de uma intenção difícil de censurar por quem quer que seja, deslumbrou-se com as possibilidades de luz que o cinema oferece. Imagine-se, o velho lugar-comum das sombras dissipadas pelo projector, os sonhos do espectador reflectindo-se contra a tela branca (por quanto tempo, não se sabe, o digital está a chegar), uma obra sobre o vale da desmemória e o resgate, a derrota. As possibilidades, as possibilidades, mas era inevitável o empecilho do amor. Amor como obstáculo ao génio, amor como espinho cravado nas costas, impedindo o avanço do tempo. Os três planos de Aronofsky cruzam o tempo interno de um deslumbre - o que paira sobre o espaço concreto de um presente ameaçado pela doença e a morte. Mas nem as boas intenções nem a destreza ágil do realizador salvam o filme da lamechice new-age pintada pelo digital manhoso de um blockbuster abortado a meio da gestação.
O potencial de segundas leituras que o tema poderia originar - amargura, ranger de dentes, Dante penando num Inferno sem retorno - é aplacado pela luz piegas que Aronofsky projecta sobre a tela. Salve-nos o diabo de toda a beleza da coisa. Preferimos caminhar na sombra.
*A imagem que coloco lá em cima mostra bem que tipo de filme é este. Lamentável.
[Sérgio Lavos]
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