Dos textos lidos na última semana a propósito da morte de Saddam Hussein destaca-se, de longe, este de Ivan Nunes no Cinco Dias.
Não existem opções alternativas quando se pensa na pena de morte. Ou se está contra, sempre, ou se aceita sempre, de acordo com o julgamento a que o condenado é sujeito. O extraordinário equilibrista que é Pacheco Pereira consegue, contudo, aguentar-se na corda para onde subiu há quase 4 anos atrás, quando apoiou sem reservas a invasão do Iraque. Admira-se a pirotecnia das palavras no seu artigo de ontem no Público, mas facilmente também se adivinha o mal-estar provocado pela quantidade de ziguezagues a que o pensamento único do comentador tem sido sujeito.
Não há acusação aos humanistas que disfarce a brutalidade das imagens do enforcamento do ditador. As boas consciências ocidentais dispensariam alegremente a realidade crua da morte em directo, mas, para o bem e para o mal, a democracia mediatizada (que é, de resto, tão meticulosamente dissecada por Pacheco Pereira em muitos dos seus textos) transporta-nos a novos reinos do conhecimento de forma irremediável. Entre os contrastes marcados e as contradições profundas, o mundo globalizado ameaça transformar-se num simulacro de si próprio, tão distante de qualquer verdade que se torna quase impossível sobreviver ao caos imagético a que se propôs submeter.
Sabemos da morte de Saddam, não através de um comunicado qualquer de uma agência de notícias, mas sim porque a execução entrou pelas nossas casas dentro, sem pudor, prenhe de uma violência que fere o falso humanismo que acreditamos ser o fundamento cultural do nosso mundo. É no limite que se decide a ética de um Homem. No limite, aceitamos a pena de morte dos E.U.A. porque acreditamos na imperfeição humana; ou mais precisamente, na imperfeição da democracia tal como a conhecemos. Mas a ética ocidental não convive bem com os valores estranhos à cultura em que foi fundada; e estranha que uma das suas mais espectaculares criações, a mediatização da vida privada, faça ricochete e atinja com redobrada força os alicerces frágeis que a sustentam.
Para a revista Time, o Homem, no seu conjunto, foi a personalidade do ano em 2006. A TV e a Internet, os seus veículos de afirmação. O YouTube, umas das suas faces mais populares. A todos, agradecemos o circo real que foi montado nos últimos dias do ano que passou. E tudo o que virá a seguir - sem catastrofismos em subtexto.
[Sérgio Lavos]
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