16/01/07

Entrada de diário

Se há característica que seja comum à maior parte dos bloggers é a tendência para escrever tarde, preenchendo a insónia. Outra ainda é a vontade de repartir a solidão, mesmo que esta não seja forçada, antes procurada. Outra característica ainda é repetir chavões sobre a vida de pessoas de quem não conhece pívia, adivinhar os que os outros fazem, tomar a parte pelo todo, achar que os hábitos não são, sempre, sempre, únicos e intransmissíveis - ao contrário da pretensão e da doença da inveja.
Não confesso nada a tais horas. Gosto de dormir - não é pecado - mas não gosto de adormecer cedo. Antes levantar tarde. Mas nunca fui, na realidade, boémio; apesar de ter tentado. Escrevo num estado sem assombro. Nada é fácil. Quando tenho obrigações, coisas a cumprir, dedico-me à passividade da escrita. Se é obrigação, é actividade. E nada tem que ver com exercício físico, apesar de também não entender a função do jogging. Apesar de, sem horror, conseguir imaginar a escrita como um jogging. Não sei quem disse - outro defeito, péssima memória para citações. Jogging nocturno.
O confessionalismo é uma doença, uma fraqueza. No entanto, reparo, quase que aposto que ninguém sabe nada da minha vida. Nem do que sou. Pratico a bela arte da mentira, finjo a vida, não há flutuação de humor que aqui não caiba. O intimismo é uma fraude.
Mas a ficção não. A melhor ficção é a quem tem a forma de diário. Há mais verdade n'O Processo do que nos cadernos pacientemente escritos por Kafka ao longo da sua vida. Consigo encontrar pouca sinceridade no Livro do Desassossego de Bernardo Soares - criação, criação, pura criação. Sobra, no entanto, em toda a sua poesia. Há, mas não se pense que prefiro a verdade à mentira. Se o intimismo é fraude, o confessionalismo é a pior fraqueza. Invente-se uma vida, a verdadeira há muito que deixou de ter conserto.
Não há insónia. Apenas tempo até cair no sono.

[Sérgio Lavos]

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