É quase sempre difícil distinguir o autor da obra. Não se lê desconhecendo completamente a biografia do autor e é quase inevitável que a leitura do texto seja condicionada pelo conhecimento que temos da vida de quem escreve.
A biografia não passa de uma sequência de datas e acontecimentos. Separo as duas noções porque raramente coincidem. O autor nasce, vive (e casa-se ou não, morre-lhe alguém ou não, completa o curso superior ou não); e morre. Mas se falamos de acontecimentos, falamos de outra coisa. Da obra. Por alguém morrer, o autor mergulha na depressão e muda completamente o seu estilo. Cresceu na sombra de uma mãe protectora: escreverá de determinado modo. A História sofre convulsões que lhe dificultam a vida: o autor contraria a História e cria contra ela.
Falando de biografia: os autores que morrem novos são sempre lamentados a dobrar. Porque a empatia gerada com o leitor simula uma familiariedade postiça, o leitor chora o autor que morre como se fosse um dos seus. Porque o autor desaparece demasiado cedo, cisma-se na obra que ficou por criar, sonha-se com uma arca cheia de inéditos que possam alimentar a fome que se segue ao desaparecimento, inventariam-se conjecturas sobre o rumo que a obra por criar poderia ter tomado.
O leitor precisa destas consolações na sua relação com os autores de quem gosta. Não aprecia o rigor do académico, capaz de analisar friamente a obra desligada da vida. A biografia não é apenas um conjunto de circunstâncias sem relação com os livros. Acabe-se com as datas; obtém-se o chão onde a obra germina, o intervalo no tempo delimitando a marca do escritor na terra.
Não carecemos de adivinhações sobre obras inacabadas. Mas não podemos recusar o apelo da intimidade forçada. Ao ler um livro, convidamos para junto de nós quem o escreve. Esperando que o arrependimento não surja. Mais do que podemos desejar na relação com os outros. Vantagens de uma existência de papel.
A biografia não passa de uma sequência de datas e acontecimentos. Separo as duas noções porque raramente coincidem. O autor nasce, vive (e casa-se ou não, morre-lhe alguém ou não, completa o curso superior ou não); e morre. Mas se falamos de acontecimentos, falamos de outra coisa. Da obra. Por alguém morrer, o autor mergulha na depressão e muda completamente o seu estilo. Cresceu na sombra de uma mãe protectora: escreverá de determinado modo. A História sofre convulsões que lhe dificultam a vida: o autor contraria a História e cria contra ela.
Falando de biografia: os autores que morrem novos são sempre lamentados a dobrar. Porque a empatia gerada com o leitor simula uma familiariedade postiça, o leitor chora o autor que morre como se fosse um dos seus. Porque o autor desaparece demasiado cedo, cisma-se na obra que ficou por criar, sonha-se com uma arca cheia de inéditos que possam alimentar a fome que se segue ao desaparecimento, inventariam-se conjecturas sobre o rumo que a obra por criar poderia ter tomado.
O leitor precisa destas consolações na sua relação com os autores de quem gosta. Não aprecia o rigor do académico, capaz de analisar friamente a obra desligada da vida. A biografia não é apenas um conjunto de circunstâncias sem relação com os livros. Acabe-se com as datas; obtém-se o chão onde a obra germina, o intervalo no tempo delimitando a marca do escritor na terra.
Não carecemos de adivinhações sobre obras inacabadas. Mas não podemos recusar o apelo da intimidade forçada. Ao ler um livro, convidamos para junto de nós quem o escreve. Esperando que o arrependimento não surja. Mais do que podemos desejar na relação com os outros. Vantagens de uma existência de papel.
[Sérgio Lavos]
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