02/07/08

Até já

Houve um tempo em que dizia preferir os escritores que mudavam de lugar, os viajantes, os que precisavam da vida para escrever sobre ela. Continuo a ler alguns desses, mas nunca li uma linha sequer de Ernest Hemingway, por exemplo. Entretanto, descobri que na realidade leio com mais prazer os que se limitam a ficar, esperando que a vida os encontre no lugar onde se fixam. Os que procuram o sentido no interior das palavras, ou os que sabem que nenhum sentido é possível no exterior delas - o que, no fundo, vai dar ao mesmo. Agora que me movo, viajo, e acumulo parcelas de tempo fora de mim - exteriorizo-me - reencontro coisas conhecidas quando regresso aos escritores que nunca partiram.
Sei que Walser morreu enquanto caminhava na neve - movimento sobre o breve instante - e sei que Sebald viajou incansavelmente à procura dos vestígios de uma outra forma de viagem - a memória. Mas também sei que Walser, ao desaparecer, recusou o mundo e o nomadismo que a ele está associado; e por vezes reconheceu assim a escrita. Como Sebald terá encontrado uma explicação para as imagens quando mergulhou na abstração das palavras. Viajar e parar, reconhecer o que esquecemos, deixar assentar a poeira sobre a memória transitória do movimento; nada é tão simples como parece. Viajar é tentar de novo, recordar. O neo-platonismo vacilante.

[Sérgio Lavos]

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