Já me tinha contado pelo telefone. Uma árvore, plantada quando teria uns oito ou nove anos, caíra de um momento para o outro, carregada de frutos em pleno tempo de maturação. O velho damasqueiro acabara derrubado por mais do que o vento forte que se levantara durante a noite; os escolhos do dia que se seguiu evidenciavam a verdadeira razão do fim: o tronco e os ramos mais fortes tinham sido carcomidos como se de madeira colhida, de um móvel, se tratasse. Sobre a terra, um caos de folhas verdes e murchas e damascos amarelos e mirrados, para sempre impossibilitados de amadurecer.
Não acredito em símbolos, nem em histórias de milagrosas coincidências. Acreditava no sabor do fruto quando o verão atingia o seu auge; um mel ácido, um gosto que dançava na boca como vento. Não há fruto que defina melhor o verão. A sua cor amarela que se transforma em laranja quando amadurece mimetiza os dias que se estendem sobre a noite - sonhei muitas vezes com o nórdico sol da meia-noite; às dez horas um lençol fino de luz velada ainda espreitava por cima da linha da horizonte - e utilizo o presente sabendo que pode não ser já assim. Entre mudanças de horário e adaptações ao ritmo da vida moderna, perdeu-se o fulgor de uma tarde de verão interminável - como um damasco.
A lâmina da moto-serra despedaçou tronco e braços; quando cheguei, o damasqueiro era apenas um amontoado disperso de madeira morta. Os frutos apodrecidos pelo chão. O meu pai contou-me tudo com tristeza no olhar.
Não há verdade na natureza. Apenas ciclos e estações, sequências. Nenhuma consequência. Mas, recordo agora, longe da árvore derrotada pelo tempo, o modo como a seiva nascia dos rebentos novos. Um âmbar dourado que percorria o sulco da casca até ao solo. Empoleirado lá em cima, eu via os aviões descreverem trajectórias sem princípio nem fim. Nada me cercava. Desconhecia em pleno o que era a liberdade. Vivia.
Não acredito em símbolos, nem em histórias de milagrosas coincidências. Acreditava no sabor do fruto quando o verão atingia o seu auge; um mel ácido, um gosto que dançava na boca como vento. Não há fruto que defina melhor o verão. A sua cor amarela que se transforma em laranja quando amadurece mimetiza os dias que se estendem sobre a noite - sonhei muitas vezes com o nórdico sol da meia-noite; às dez horas um lençol fino de luz velada ainda espreitava por cima da linha da horizonte - e utilizo o presente sabendo que pode não ser já assim. Entre mudanças de horário e adaptações ao ritmo da vida moderna, perdeu-se o fulgor de uma tarde de verão interminável - como um damasco.
A lâmina da moto-serra despedaçou tronco e braços; quando cheguei, o damasqueiro era apenas um amontoado disperso de madeira morta. Os frutos apodrecidos pelo chão. O meu pai contou-me tudo com tristeza no olhar.
Não há verdade na natureza. Apenas ciclos e estações, sequências. Nenhuma consequência. Mas, recordo agora, longe da árvore derrotada pelo tempo, o modo como a seiva nascia dos rebentos novos. Um âmbar dourado que percorria o sulco da casca até ao solo. Empoleirado lá em cima, eu via os aviões descreverem trajectórias sem princípio nem fim. Nada me cercava. Desconhecia em pleno o que era a liberdade. Vivia.
[Sérgio Lavos]
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