O melhor de "Lady Chatterley", de Pascale Ferran, é o modo como consegue superar em quase tudo o romance que adapta. Aquilo que em D. H. Lawrence é moralista quase que desaparece, com a excepção de uma outra referência às condições dos trabalhadores das minas, alusões mais ou menos subtis à diferença de classes entre Constance Chatterley e o guarda-caça, e a afirmação da vontade masculina, paradoxal no contexto dos intentos do romancista, que Parkin (Mellors na versão final do romance) insiste em reafirmar. Na melhor sequência do filme - o passeio nu pelos bosques - a intensa beleza das imagens faz-nos esquecer das questões que tanto interessavam a Lawrence, os "grandes temas". E aquilo com que ficamos é um homem e uma mulher que se amam, e que conseguem usufruir do seu amor numa liberdade absoluta, sem os laços sociais que reprimem a livre expressão do desejo. A expressão de um panteísmo amoroso a que apenas um duro regresso à realidade põe fim. No romance de Lawrence, estas são também as páginas mais conseguidas; apesar das sentenças moralizantes, de um pendor ideológico marcado, a cada parágrafo; apesar do cliché da burguesa entediada que trai o marido com o criado (e a partir de uma premissa semelhante, Evelyn Waugh fez maravilhas em "A Handful of Dust"); apesar da pobreza estilística dos momentos mais descritivos, das confrangedoras descrições dos actos sexuais em que os dois amantes se envolvem.
O silêncio é a grande vantagem do filme de Pascale Ferran. Ao ponto de achar que a voz-off pontual e os entretítulos são redundantes. Quando Ferran cala a voz tagarela de Lawrence, acerta. A direcção de actores é impecável, aproveitando ao máximo a expressividade e o contraste entre Marina Hands, bela, confiante e feminina, e Jean-Louis Coullou'ch, algures entre a dureza do "bom selvagem" de Rousseau e uma fragilidade de animal acossado pelo amor de uma mulher. As comparações com "Intimidade", de Patrice Chéreau, não são despropositadas. Eu, curiosamente, lembrei-me de "O Piano", uma versão alterada, ou pelo menos vagamente inspirada, do romance de D. H. Lawrence - a começar no facto de ambos os actores, Harvey Keitel e Coullou'ch, contrariarem invejavelmente o esteorótipo da beleza masculina. Será coincidência ser também uma mulher, Jane Campion, a realizar este filme?
Sobretudo, este é um belo filme sobre a natureza sexual primitiva do Homem. Sobre o modo como essa natureza actua sobre as paixões humanas. E sobre a dificuldade que é resistir à pressão das convenções sociais que espartilham este desejo essencial de liberdade. Não é pouco.
Sobretudo, este é um belo filme sobre a natureza sexual primitiva do Homem. Sobre o modo como essa natureza actua sobre as paixões humanas. E sobre a dificuldade que é resistir à pressão das convenções sociais que espartilham este desejo essencial de liberdade. Não é pouco.
[Sérgio Lavos]
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