Não conseguimos fugir. Podemos tentar, reclamar, negar com todas as letras, recusar e armar em snobe, que acabamos por cair todos os anos no mesmo erro: fazer compras em centros comerciais em plena época natalícia. Sei que alguns, de entre vós, são mais resistentes do que eu (ou, já agora toda a gente que conheço); mas eu também sei, e ainda a 25 dias de distância, que irei acabar por percorrer desconsolado os corredores tristes, barulhentos e suados de um qualquer shopping apinhado de véspera de Natal.
Santo consumismo! Abençoada mãe de todas as coisas. Multiplicar os presentes oferecidos como se fossem os pães das bodas de Canã, não esquecer ninguém, desde o parente próximo despachado com um embrulho de última hora até a um desconhecido que passa na rua a quem entregamos, acompanhado de uns sentidos votos de feliz Natal, o romance de Lobo Antunes que alguém nos ofereceu o ano passado.
Não, confesso, isto é tudo mentira. Desde a mais tenra infância que fui educado a ignorar o espírito do Natal e por isso somo esquecimentos a amizades nunca devidamente cultivadas. Como passo por católico (não faço eu parte dos 98%?), nem sequer posso usar a desculpa da religião. É, parece que foi há quase dois mil e seis anos que Jesus nasceu. Mas o facto nada tem que ver com o Natal. Agradeço à Coca-Cola, publicamente, o facto de ter tornado a sagrada manjedoura assunto apenas para lugares atrasados de países do terceiro mundo.
Houve um tempo em que havia o Menino Jesus que deixava um presente no sapato. A noite era passada quase em claro, e de manhã corríamos para a lareira desfazer embrulhos e a derradeira esperança de recebermos mais do que uma daquelas meias com raquetes ou um par de cuecas oferecido por uma tia afastada. Agora parece que as crianças esperam a meia-noite na ânsia da prometida consola ou do telemóvel encomendado pelos progenitores ao Pai-Natal.
Sem Deus nem Capital, que divindade me restará celebrar a cada Natal que passa? A resignação e o cansaço. Agasalho-me na doce manta do cinismo e pinto-me com as suaves cores da hipocrisia; sou assoberbado pelo Natal e festejo-o mecanicamente, disfarçando a amargura com sorrisos de vendedor cansado. Visito as lojas e ouço a música dos shoppings, compro sem escolher apenas para cumprir calendário. Admito apenas a alegria das crianças, por ser ainda ingénua - irei, claro, oferecer com gosto um presente ao meu filho. E canso-me, claro. Canso-me. Mas a minha vida não é nada disto.
Santo consumismo! Abençoada mãe de todas as coisas. Multiplicar os presentes oferecidos como se fossem os pães das bodas de Canã, não esquecer ninguém, desde o parente próximo despachado com um embrulho de última hora até a um desconhecido que passa na rua a quem entregamos, acompanhado de uns sentidos votos de feliz Natal, o romance de Lobo Antunes que alguém nos ofereceu o ano passado.
Não, confesso, isto é tudo mentira. Desde a mais tenra infância que fui educado a ignorar o espírito do Natal e por isso somo esquecimentos a amizades nunca devidamente cultivadas. Como passo por católico (não faço eu parte dos 98%?), nem sequer posso usar a desculpa da religião. É, parece que foi há quase dois mil e seis anos que Jesus nasceu. Mas o facto nada tem que ver com o Natal. Agradeço à Coca-Cola, publicamente, o facto de ter tornado a sagrada manjedoura assunto apenas para lugares atrasados de países do terceiro mundo.
Houve um tempo em que havia o Menino Jesus que deixava um presente no sapato. A noite era passada quase em claro, e de manhã corríamos para a lareira desfazer embrulhos e a derradeira esperança de recebermos mais do que uma daquelas meias com raquetes ou um par de cuecas oferecido por uma tia afastada. Agora parece que as crianças esperam a meia-noite na ânsia da prometida consola ou do telemóvel encomendado pelos progenitores ao Pai-Natal.
Sem Deus nem Capital, que divindade me restará celebrar a cada Natal que passa? A resignação e o cansaço. Agasalho-me na doce manta do cinismo e pinto-me com as suaves cores da hipocrisia; sou assoberbado pelo Natal e festejo-o mecanicamente, disfarçando a amargura com sorrisos de vendedor cansado. Visito as lojas e ouço a música dos shoppings, compro sem escolher apenas para cumprir calendário. Admito apenas a alegria das crianças, por ser ainda ingénua - irei, claro, oferecer com gosto um presente ao meu filho. E canso-me, claro. Canso-me. Mas a minha vida não é nada disto.
[Sérgio Lavos]
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