29/12/06

Michel Houellebecq

Ler um livro de Houellebecq (e Extensão do Domínio da Luta é, provavelmente, o melhor) não é uma experiência limite. Mas a desolação e a descrença que transpiram das suas personagens tornam muito difícil qualquer tipo de antipatia em relação ao escritor. O mundo de Houellebecq é um mundo sem esperança, sem fé nele próprio, sem qualquer tipo de ilusão ou vontade de acreditar num futuro que seja ligeiramente melhor que o presente. Qualquer semelhança com a realidade apenas pode fazer sentido - nesta quadra natalícia, decisivamente. A misantropia de Houellebecq, entre as tendências autobiográficas e um niilismo que encontra em todos a depressão que ele transporta, raramente chega a ser irónica. É cruel e depreza a banalidade da vida, da classe média, dos valores de uma sociedade decadente. O inferno são os outros, em absoluto, e o indivíduo que perde qualquer traço de personalidade ou independência de espírito perante a avalanche medíocre do resto da sociedade. O leitor chega a sentir pena dos pobres desgraçados que Houellebecq transforma em anti-heróis dos seus romances. Apesar dos defeitos, das acusações. Da polémica.
Não será um acaso o facto de Houellebecq ser francês, órfão de uma literatura que perdeu o viço há muito. Lemos um romance escrito por um inglês ou norte-americano e admiramos a vitalidade permanente da escrita e a força das personagens, uma certeza definitiva que tem que ver com a dinâmica de domínio da cultura anglo-saxónica no mundo globalizado de agora. A França, potência em perda, produz uma cultura de acordo com a decadência progressiva a que se vai habituando. Que o escritor francês contemporâneo mais conhecido fora do país seja alguém como Houellebecq não é apenas um sintoma - é toda uma patologia. A doença dos tempos modernos.

[Sérgio Lavos]

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