Se toda a vida te fosse oferecida sabendo tu de cor o que iria acontecer, aceitarias? Aceitarias saber que o que viverias está escrito, que ao nascimento se seguirá a infância, e a esta a juventude, e depois o lento declínio para a morte? Sabendo que cada alegria é calada pelo apaziguamento, que precede o tédio de nada relevante acontecer, a que se segue a angústia da alegria não voltar, depois o medo, e depois a alegria mais atenuada, sabendo que o ciclo irá repetir-se, e que nada do que prende à terra ou do que se eleva do chão dura mais do que um instante? E que o longo deserto que nos separa do próximo momento nos seca a boca e exaure o coração? E que, no deserto por onde caminhamos sem saber quando dele iremos sair, mais do que a areia onde vamos enterrando os pés, corremos o risco de apanhar áreas movediças, e quando dermos por elas poderá ser demasiado tarde para nos salvarmos? Enterrados, presos, na areia que nos engole, a longa lengalenga dos dias da qual escapamos, ao longe na fundura das colinas aguarda o que não conhecemos, o que não podemos conhecer. O lento declínio para a morte. Caminhamos de regresso a um início familiar, restabelecemos o percurso a partir dos sinais que fomos deixando para trás e enredados vamos recolhendo panos, perfumes e memórias para que nos atavios da despedida encontremos o derradeiro calor a que temos direito. Se a vida te fosse oferecida sabendo que tudo irá acontecer de modo contido e planeado, cada desmesura prevista e cada desvio consentido, aceitarias viver? Sabendo tu que não sabes nada de nada desse rosto branco que te canta e desses brandos braços que te salvam. A medo e a fogo te derrotam. Não aceites o plano.
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