Não há como fugir: de cada vez que leio Bruce Chatwin lembro-me da sua técnica de escrita, relatada na biografia escrita por Nicholas Shakespeare (um tijolo com centenas de páginas pelo qual passei devoradoramente há alguns temporadas): pegar em vários livros de autores clássicos, abrir páginas ao calhas e copiar frases. Não sei se este método era apenas usado nos romances - que não li - ou também nos livros de viagem. Nestes, há aquela impressão de realidade que imprime em nós a sensação de que qualquer frase que viesse de outro livro não faria ali sentido. Aquelas frases, aquelas palavras, aquele caos que vai saltando de citações directas para os diálogos esquivos trocados com as personagens - as pessoas que ele vai conhecendo deixaram de existir na realidade quando ele as tornou figuras dos seus livros -, e daí para relatos poéticos, de uma poesia sem rodriguinhos, seca e certeira, irónica quanto baste. Tudo aquilo misturado não pode ter como origem a reles cópia. Talvez metáforas, imagens, figuras de estilo. Não sei. Mas não a essência da sua literatura, verdadeira como apenas a escrita de um poseur consegue ser.
Reli então Canto Nómada e descobri muito que me tinha passado ao lado na primeira leitura, ensaiada vai para mais de quinze anos. Estava lá antes, claro, tudo o que agora me pareceu novo. Mas também é evidente que eu há quinze anos não era o mesmo. À superfície: talvez julgue saber hoje muito mais do que antes, sobretudo de algumas das matérias científicas a que Chatwin recorre para defender a sua tese - da paleontologia, biologia, evolução do Homem; e em profundidade, isto é, em apneia: ainda sou suficientemente ingénuo para gostar de muito, quase tudo, mas os truques são tão visíveis como uma lua cheia num céu limpo - para quem não está a olhar para o outro lado, claro.
A viagem pela Austrália, tentando perceber o que é o canto dos aborígenes, o canto da terra, o canto que é um mapa que conduz os povos através do seu continente, é uma jornada em perda de si próprio, mais do que descoberta. Chatwin vai perdendo a pele que usa em sociedade. Mas nunca consegue totalmente. Quem o guia é um ocidental; e os aborígenes parecem estar sempre além da compreensão. Como Chatwin, julgamos entender a sua cultura, mas a cada frase escapa-se. Não há final feliz, revelação, epifania. Apenas um reconhecimento - implícito - de que nenhum viajante poderá conhecer verdadeiramente as gentes que vai encontrando. Mas o fascínio é este: pensar que na diferença dos outros podemos encontrar o que perdemos.
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