20/04/13

Até sempre

O dealbar arrastado da madrugada
traz consigo os escolhos da noite,
a festa, o movimento das ruas
desaparecendo na corrente,
o regresso dos mortos, dos cansados da vida,
da gente para quem a alegria
se fixou naquele ponto distante
do passado a que apenas traidores
conseguem aceder.

O incêndio da Rua do Alecrim
lavra no seu derradeiro fôlego.
Grupos esparsos de amigos
que se abraçam, dizendo adeus;
táxis passando e recolhendo quem
desiste; dois rapazes e uma rapariga
abrandam o passo na penitência da bebedeira,
arriscando beijos mais rápidos do que o amor
permite.

Vozes ao longe, no eco das ruas,
ensaiam despedidas no torvelinho musical
que ainda dança nos ouvidos.
Um grupo de eslavos oferece a quem passa
a boca de uma garrafa, gritando impropérios
ou versos – não sei – em russo.

A reseda cheira à agua,
amor à maçã rescende
mas agora já sabemos –
só o sangue cheira a sangue.

Um fogo deflagra
nos dedos que oferecem o esquecimento.
Aquele grupo aceita, os amigos
bebem o sangue dos estrangeiros
que fugiram de Babel e ficam por ali,
trocando cigarros e palavras que serão
sempre justas e finais, as mais belas.

Ao lado de Eça, alguém vomita. Ninguém nota.
A vida passa à margem de quem se perdeu,
o turista a caminho do hotel
ou o velho que paga à ultima puta da
Praça de São Paulo.

Demasiado tarde para arrependimentos.
Estão à vista do rio aceso pela cidade
e enquanto esperam pelo primeiro autocarro
da manhã, repetem beijos e despedidas.

Há sempre uma casa à espera,
louça suja do jantar,
o cinzeiro cheio, a transbordar.

Até sempre.

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