Mais uma noite dos Oscares, a terceira com nove nomeados para melhor filme. Para quem gosta de cinema, o acontecimento acaba por ser uma baliza, o ponto final de um ano a ver filmes. Os milhares - ou milhões - de textos escritos sobre a cerimónia podem dividir-se em dois tipos: os cínicos, que ao mesmo tempo que dizem que os Oscares não têm nada a ver com cinema lá vão apostando nos (poucos) filmes que viram; e os outros. Os que se entusiasmam, e acham sempre que naqueles dez está necessariamente o melhor filme do ano que passou. Se olharmos para trás e tivermos visto suficientes filmes ao longo da vida, percebemos que raramente está. Não vale a pena enumerar os grandes filmes que não receberam o prémio e as mediocridades que o receberam. O cinismo pretensioso era uma fatiota que gostava de usar antes; agora menos.
Falemos então de Oscares. Dos nove nomeados, vi quatro, provavelmente a mais alta percentagem em muitos anos. Dos que não foram vistos, alguns de certeza que não irei ver, outros quem sabe. Não, não passei os olhos pel'O Artista. Poderei ver, mas algo me diz que aprenderei mais com dez minutos de qualquer um dos filmes de Chaplin ou de Buster Keaton do que com a hora e meia de pantomima a preto e branco numa era de CGI, 3D e câmaras digitais. Mas enfim, quem nunca viu um Stroheim na vida (Luís Miguel Oliveira dixit) que atire a primeira pedra. Pelas mesmas razões não terei gostado também de Meia-noite em Paris. Sim, Woddy Allen é um génio, descansem. Mas o postal turístico carregado de clichés - sobre Paris, sobre os anos 20, sobre os artistas, etc., etc. - torna o resultado final numa desilusão. Há muitos filmes de Woody onde aparece a personagem estereotipada do intelectual deslumbrado pela cultura europeia. A diferença é que neste filme ele torna essa personagem o tema, e sem o mínimo de distanciamento irónico - como acontece em Vicky Cristina Barcelona, por exemplo. E assim agrada-se a um público mais vasto - "Meia-noite" terá sido o filme mais visto do realizador nova-iorquino, desagradando-se os fãs habituais. Escolhas.
Moneyball é um daqueles filmes de que eu gosto: um biopic sobre um falhado ajudado por um nerd a ultrapassar-se até ficar maior do que a vida, ao ponto de haver alguém que se interesse pela história e faça dela um filme. Brad Pitt confirma que é um actor melhor do que o esperado, e que não é necessário representar um deficiente para uma cara bonita ser nomeada para um Oscar - e já são várias nomeações; para quando o prémio?
Restam os dois preferidos.
Há varias razões para gostar d'Os Descendentes: Alexander Payne, autor do genial Sideways, do excelente As Confissões de Schmidt, do brilhante Election e de uma curta-metragem, 14e arrondissement, incluída na obra colectiva Paris Je t'aime, que é uma pequena maravilha (para usar o lugar-comum). E Os Descendantes, será tão bom como estes predecessores? Aproxima-se de Sideways e fica muito perto da obra-prima em forma de curta, e isso é mais do que suficiente para ser melhor do que qualquer um dos outros nomeados. Menos um, de que falarei a seguir, não sem referir George Clooney. Grande papel, sem sair da sua pele. Clooney não é um actor de composição. Não desaparece nas roupas e maquilhagem como Meryl Streep - OK, dêem-lhe lá o centésimo quadragésimo quinto prémio, ou coisa que o valha, quero lá saber -, não é um actor do método, como Robert de Niro ou Al Pacino; não é um actor que se faça ao Oscar em papéis à medida, como Tom Cruise ou o mencionado Brad Pitt; mas é excelente no seu modo cool, versátil - faz comédia e drama em registos não tão próximos que se possa dizer que é um inexpressivo Keanu Reeves nem tão distantes que se possa comparar ao rei do histrionismo Jim Carrey -, e ganhou com o tempo uma espessura dramática que não lhe adivinhávamos por altura do Serviço de Urgência ou de um dos seus primeiros filmes, uma coisa sobre surf tão má que nem vale a pena ir ao IMDB ver qual o nome. Mas não vai ganhar hoje, o francês mudo levará a palma.
Mas acontece que este ano está nomeada uma daquelas obras que irão ser ainda vistas e admiradas daqui a cinquenta anos. Acontece que Terrence Malick é o autor da obra-prima. Acontece que a probabilidade de A Árvore da Vida ganhar é quase a mesma da receita de austeridade imposta pela Troika resultar em Portugal. Acontece que será uma injustiça, e que uma vez mais se provará que os Oscares têm tanto a ver com cinema como a venda de aguarelas na feira da ladra tem a ver com arte. Ou não, terá tudo a ver com a Sétima Arte: o glamour, os vestidos, a passadeira vermelha, Billy Cristal, os discursos, a magia. Estamos a falar e a escrever e a pensar sobre a coisa. Isso sigifica que deve ser o acontecimento mais importante do mundo do cinema. Mas não interessa: o cinema resiste ao hype muito bem. E continuará a ser feito, exista ou não Hollywood e a passadeira vermelha e os prémios e as desilusões e os cínicos e os discursos dedicados aos índios. Se tudo correr bem, e os Maias e o Medina Carreira não tiverem razão, para o ano cá estaremos.
1 comentário:
Thank you for the information, the article is very well-written.
Enviar um comentário