30/05/07

Água turva

Uma ideia: o passado embalado, etiquetado, à venda em doses bem medidas, de duração limitada, finitas. Quando chego a casa, retiro da embalagem a coisa; o produto, como se fosse uma droga. alguma ansiedade (muitas vezes simulada), alguma desilusão - disfarçada de tristeza. Coloco o passado na máquina. Começa a rodar, mas não faço a viagem, não regresso. A máquina não recria o passado, não o reproduz, não nada. Limita-se a desbobinar uma outra história. Um simulacro de passado, outro que existe no lugar daquele que se tornou inacessível. Do conforto do presente, observamos o tempo diluir o passado em água turva. Sem a certeza do acontecimento em primeira mão, sem a nostalgia infantil de sabermos que a vontade é suficiente para que tudo se repita. Não temos isso, agora. Uma máquina, apenas. E, à nossa frente, um passado que desconhecemos.

[Sérgio Lavos]

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