A história do violinista famoso que decide tocar para uma multidão de transeuntes em hora de ponta não é exactamente original, mas prova qualquer coisa. Há aquele video do Badly Drawn Boy, aqui há uns anos, em que ele aparece a tocar na rua perante a ausência de reconhecimento de quem passa. Julgo que o video testava sobretudo a notoriedade do músico, e neste aspecto distinguia-se da experiência de Joshua Bell, incentivada pelo "Washington Post". O que prova ao certo, então? Havia uma resposta, e procurei-a nos meus apontamentos da última viagem a Londres.
No mesmo museu que expõe uma réplica de "The Fountain", de Marcel Duchamp, supremo cliché da arte auto-reflexiva, gente de todo o lado formava fila para descer por um dos tubos que tinham sido montados a partir de cada um dos três pisos do museu até ao solo. Aí está, pensei ao entrar, o aspecto lúdico atraindo público para a arte, o carácter utilitário destes anglo-saxónicos nunca pára de me surpreender. Engano meu, claro. A Tate Modern, quando abriu as portas em 2000, cumpria logo à partida os requisitos dessa função utilitária da arte. Aproveitando o espaço de uma central energética do século XIX abandonada, ali à beira do Tamisa, a arte ocupou o seu devido lugar na história. Houve a preocupação de não criar uma obra de arte arquitectónica do zero para receber o espólio de arte contemporânea da Tate. O edifício já existia, e de um modo completamente orgânico, foi reformulado por Herzog e de Meuron para servir um objectivo diferente do inicial. A função ecológica da intervenção também não é desprezável, claro; nos dias que correm, o caos urbanístico deixou de ser aceitável, e existe uma cada vez maior ligação entre sensibilidade ecológica e planeamento urbanístico.
No interior do edifício, a obra de Carsten Höller, o escorrega, perdia a intensidade de obra-de-arte (duvido que a maior parte dos visitantes que pagaram para descer por ali soubessem que aquilo era uma instalação artística) para se reduzir a um objecto do quotidiano, exclusivamente utilitário. Parecia ser apenas um extra na oferta do museu: para além de arte, diversão.
No interior do edifício, a obra de Carsten Höller, o escorrega, perdia a intensidade de obra-de-arte (duvido que a maior parte dos visitantes que pagaram para descer por ali soubessem que aquilo era uma instalação artística) para se reduzir a um objecto do quotidiano, exclusivamente utilitário. Parecia ser apenas um extra na oferta do museu: para além de arte, diversão.
A ideia não está muito distante do uso que uma criança pode dar a muitas instalações ou performances modernas. Uma escultura de Rui Chafes pode ser um banco ou uma construção lúdica; um trabalho colocado numa rotunda para os lados da antiga Expo um escorrega com múltiplas pistas (acontecimentos presenciados na primeira pessoa). Por isso, não admira que apenas algumas crianças tenham parado para ouvir um pouco de Bach interpretado por um dos mais conhecidos violinistas do mundo, no metro, em plena hora de ponta. A música, para uma criança, perde a importância que qualquer melómano com o ouvido treinado lhe atribui, e reduz-se a simples acontecimento inserido na corrente contínua do quotidiano. Belo e fugaz, decerto, mas apenas mais uma experiência, sem qualquer transcendência inerente. Como o escorrega de Höller. Como o urinol de Duchamp. Como deveria ser a Guernica de Picasso. Ou o fuzilamento pintado por Goya. Ou não será assim?
[Sérgio Lavos]
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