21/09/11

O sintoma

É revelador o tempo que David Lodge dispensa ao elogio dos escritores que conseguem criar personagens de carne e osso, mais próximas das pessoas do que a própria realidade nos permite estar. Do romance clássico de Jane Austen ao modernista James Joyce, acabando no pós-modernista Martin Amis, a análise que é feita parte sempre da capacidade que o romancista tem de revelar a consciência, o eu, das personagens. Se a bitola - de resto, toda a crítica anglo-saxónica repousa neste modelo - fosse aplicada aos romances de autores portugueses, viríamos a descobrir que desde o Modernismo - ou ainda antes, desde Eça - não existem verdadeiras personagens, antes tipos ou, na melhor das hipóteses, projecções do eu do autor. Da burguesia de Jorge de Sena às massas proletárias dos neo-realistas, das personagens conceptuais de Carlos de Oliveira aos bonecos do ventríloquo José Saramago, culminando no Lobo Antunes atomizado, que consegue, ao longo de dezenas de livros, inventar (?) personagens que falam e pensam sempre da mesma maneira, são poucos os escritores que escapam. José Cardoso Pires, Agustina, Mário de Carvalho, Mário Cláudio, mais um ou outro esporadicamente. E a nova geração parece ter aprendido as lições erradas - à excepção de Gonçalo M. Tavares. É raro o escritor português que domine o estilo indirecto livre - e é este o sintoma que denuncia a doença. 
Precisamos  de voltar a ler os clássicos, desta vez como deve ser.

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