27/07/09

Estrada perdida

Vi sobre o fumo uma sombra, subindo desde a estrada. Aproximei-me. Mais perto o limite da sombra, e descobri que quanto mais focava o olhar mais a imagem se desfocava. Aproximei-me um pouco. Corria sobre o motor do carro um vento quente, pareceu-me por momentos percorrer alguma estrada do deserto onde em tempos me perdera. Nessa jornada aprendi muita coisa. A mais importante terá sido como descobrir através da memória das mãos que lhe tocaram a geografia das linhas que se encurvam para dentro com o passar do tempo. Entretanto, o carro arrancava envolto em pó. Pensei no homem que ao volante fingia conduzir. Julguei detectar um sorriso no centro do rosto marcado pelas rugas. Enganei-me. Quando mais tarde entrei em casa e vi uma vez mais o rosto dela, preso de uma luz gritando entranhas! preso de uma sombra onde se reflectia, com uma nitidez dolorosa, o fumo que ascendia do cadáver de metal ardendo na praia, jurei desvendar, a quem estivesse disposto a ouvir, o segredo que permitia que o tempo se encurvasse tanto (como as linhas dela) ao ponto de tocar no extremo um outro presente que entretanto recomeça o seu cadenciado avanço, onde eu reentro em casa, mão no metal, e sou por ela surpreendido, estendida contra a vaga de fumo ardendo de dentro do tempo. Abrindo os braços, caindo no corpo que sussurra entranhas... escorrendo para o território de sombra, o passado.

(Reconstrução de um texto antigo do Arquivo Fantasma)

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