A incursão de Dereck Jarman, nos anos 80, pela música pop, deixou para a história várias preciosidades videográficas, entre as quais Panic, Ask e The Queen is Dead, realizados para os Smiths, e Rent, It's a Sin e este King's Cross para os Pet Shop Boys.
Os videos de Jarman oscilam entre a aproximação plástica à pintura clássica, ao estilo de Caravaggio, e a captação realista de ambientes urbanos. O lugar-comum da Inglaterra dos anos 80 como um país cinzento e melancólico deve-se em grande parte aos videos dos Smiths - pelo menos para mim, confesso - e deve andar longe da realidade. Mas o olhar do cineasta compromete sempre a objectividade - o cinema deve servir, no mínimo, para isto mesmo.
Em King's Cross, a câmara vagueia pelos túneis do metro, sem rumo, e depois afasta-se do centro da cidade, em direcção ao campo. O plano subjectivo, de câmara escondida, reforça a solidão da vida urbana; a multidão que corre, que foge, ignora que é vigiada. As imagens reforçam as palavras de Neil Tennant e o tom baixo da canção, distante das euforias dançantes de outros temas da banda inglesa.
King's Cross é uma estação central em Londres, cruzamento de várias linhas do metro e ponto de chegada de comboios vindos de todo o país. Um lugar de partida e de regresso. A imagem desfocada de uma cidade, ponto de definição. Na última visita à cidade, todos os dias passei por ali. O devir cinematográfico de Jarman consegue evidenciar, na perfeição, o espírito do lugar; e da cidade, no seu todo.
[Sérgio Lavos]
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