Ter um blogger a escrever sobre arte num blogue que não é temático, com uma audiência elevada, deveria ser um luxo. Mas o luxo nem sempre é produtivo. O que está a acontecer ao blogue Cinco Dias, por sinal um dos que leio diariamente, parece-me, no mínimo, um tiro no pé. Depois das desavenças que levaram ao início do Jugular, a estabilidade do blogue volta a estar em causa, e desta vez por causa de ninharias (e não são sempre?). Carlos Vidal, o blogger de que se fala, é professor de estética com obra publicada, e o jorro abundante que tem escorrido da sua pena, com Caps Lock, pontos de exclamação e negrito e tudo, já provocou a saída de Filipe Moura, que, apesar de uma assiduidade intermitente, era dos mais lúcidos a escrever ali.
De que se trata, então? Da simples e escorreita falta de respeito pela opinião dos outros. O único argumento que Vidal parece conhecer é o da autoridade. Na troca de posts entre os dois, não existe uma contribuição útil que seja para a discussão por parte de Vidal. Tudo se resume ao facto de ele conhecer a arte moderna e a teoria estética melhor do que qualquer outro. Palmira Silva, no Jugular, escreveu um texto sobre o relativismo científico, evocando o caso Sokal, e Vidal, na caixa de comentários, chama de imbecil para baixo a um cientista com muito mais trabalho publicado do que ele e que expôs no livro Imposturas Intelectuais um vício impune dos pensadores pós-modernos: a utilização de jargão científico nas ciências sociais de forma pouco ou nada rigorosa. Descontando os exageros do livro de Sokal e Jean Bricmont - o facto atenuante de alguns cientistas sociais criticados terem formação em ciências exactas, como Deleuze ou Lacan, por exemplo -, a verdade é que a questão é de uma pertinência indesmentível. Mas nem um argumento de Vidal se lê que desmonte o texto de Palmira ou a tese de Sokal e Bricmont; o texto de Palmira, por outro lado, está repleto, como sempre, de referências ao caso em diversas publicações científicas. A tecla de Vidal é repetitiva: que Deleuze e Derrida e Foucault são lidos e publicados e que Sokal desapareceu do mapa. Não me parece que os três filósofos chamados à colação precisem de tão frágil advogado que os defenda. Nem nunca me pareceu que as objecções dos cientistas tocassem de algum modo a importância da obra destes filósofos (já sobre Lacan e Kristeva, enfim, tenho as minhas dúvidas, mas essa é outra história). A crítica de Sokal e Bricmont centra-se na falta de rigor na utilização de termos da matemática e da física. E, aqui para nós, a piada de toda a história está no método que eles usaram para expôr a possível fraude: escrevendo um pseudo-artigo que recorria a palavreado científico usado de forma incorrecta, e que acabou por ser aceite para publicação numa prestigiada revista de ciências sociais.
Qual a moral da história? Filipe Moura sai, Carlos Vidal fica e vamos ter que continuar a vê-lo insultar os adversários em formato Caps Lock e negrito (uma nova forma de fazer crítica, aos gritos), ou então saltar os seus textos e manter a sanidade durante o tempo que demora a visita ao Cinco Dias. Mau serviço ao blogue e pior à arte moderna, que ele tão radicalmente "defende", afirmando, sem se rir, que apenas uma elite a poderá compreender - imagino eu que é a elite (repetidamente, várias vezes por dia) que tem enchido o Museu do Grand Palais em Paris, numa retrospectiva de Picasso, ou a que levou a que o Museu de Serralves tenha ultrapassado o Museu dos Coches como o mais visitado em Portugal, ou ainda a que tenha tornado o Museu Berardo um sucesso, ou aquela que enche diariamente a Tate Modern, para espanto dos críticos que pretendiam que a lagosta de Dali ou os quadros de Rothko apenas fossem amados por uns poucos. É que até a questão do elitismo é um tiro vergonhosamente ao lado - há muito mais gente a visitar museus, e a ler Deleuze, e Duchamp e Merleau-Ponty, do que a folhear revistas científicas ou até mesmo a comprar livros de divulgação científica.
Não entendi; qual é mesmo o ponto de Carlos Vidal?
[Sérgio Lavos]
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