A intransigência do tempo não consegue quebrar rotinas; a mudança de ano obrigaria a mudar tudo, mas como diz Dr. House, as pessoas não mudam. Nem as pessoas, nem as coisas - até as crises se repetem, e as guerras, e a teimosia de quem sempre se engana e volta a dizer o mesmo que disse antes, quando errou (falo da mortandade de Gaza, claro).
Olhando para os livros que li em 2008, é fácil de notar que o saco sem fundo das obras inacabadas recebeu uma generosa contribuição do Bartleby de trazer por casa que nem sempre consigo ser. Novidades, escassas, algumas em inglês, o Sebald que vou lendo ao ritmo da sua escrita - devagar - e dois livros que é mais provável lembrar daqui a vinte anos do que a última vitória do Benfica no campeonato: Bomarzo e Moby Dick. E a faca que cortou o fogo? Excelente, um prazo de duração curto (é necessário não subestimar o hype), mas esperemos uma versão aumentada da poesia completa reduzida. Quem disse que os poetas não podem ser bons marketeers?
Estarei a colocar a fasquia demasiado baixa para a obra-prima de Melville? Ou será antes para mim próprio? Lainez e Melville, quem ganha? Num ringue de boxe? Bem, a verdade é que quando li Bartleby o assombro foi mais forte. Aprendi a não menosprezar a literatura em baixa frequência, as miniaturas fáceis que os grandes escritores burilam. Conrad escreveu romances bem mais extensos que Coração da Selva; consigo gostar quase tanto de The Turn of the Screw como de Retrato de Uma Senhora, de Henry James; Borges reduziu o seu universo a curtas ficções sem nunca ter tentado o romance; Kafka, apesar de tudo, apenas conseguiu acabar contos (e o O Covil é perfeito); e a obra de ficção que mais se aproxima da perfeição técnica é o conto de Salinger, Um dia perfeito para o peixe-banana. Moral? A polifonia épica do livro da baleia branca é uma obra de Hércules, e parabéns a Melville por isso, mas o tiro (de sorte?) que ele sacou em Bartleby é como acertar no olho do boi a partir de Marte.
2008 não mudou velhos hábitos, e a regra, desconfio, manter-se-á estável por muito tempo. Os três livros que conspiram contra mim na mesinha de cabeceira sabem disso. Dois deles não irão resistir ao apelo de Bartleby. Não farei nada do que pedem.
[Sérgio Lavos]
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