Há, só pode haver, um encadeamento de acontecimentos, de notícias, que é inspirado por um qualquer sopro divino e misterioso. Mas sem qualquer metafísica: as coisas acontecem em sucessão porque a natureza se dispôs a isso. Teria de ser, ou um qualquer equilíbrio cósmico seria perturbado sem remissão. Claro que, olhando para trás, reconstruímos percursos, unindo pontos e estabelecendo simetrias que qualquer outro escolhido ao acaso acharia nada terem em comum. O nexo de causalidade é na realidade um nexo de casualidade, ou um desconexo de causalidade. Encontramos uma causa para cada efeito observado, um sentido para o caos que nos compõe a vida. O meticuloso, o obsessivo, o compulsivo, procura recentrar os passos e repetir gestos, mas a cada repetição fica mais distante do acontecimento original. Há uma ligeira diferença, um afastamento das coisas que nos são familiares de cada vez que as celebramos. Os rituais evocam uma realidade a que não poderemos voltar, e por isso a cada encenação do ritual este vai perdendo força, porque um ritual não passa de uma recordação de si próprio. Há uma equivalência superficial entre o divino que julgamos governar o mundo e a razão que atribui ao acaso uma qualidade ordenada. Não há na verdade séries de acontecimentos, mas um contínuo interminável, que não conseguimos estancar, um corte que não pára de jorrar. Por isso esperamos esse sopro divino que organize o caos, cicatrize a ferida. A passagem de um estado a outro, que nunca chega a acontecer.
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